Intimidade: palavra-planta que cresce no tempo particular

Certa vez, fui a um happy hour da empresa onde eu trabalhava e uma colega recém-chegada ao escritório nos acompanhou. Enquanto nos divertíamos entre prosas e cervejas, notei que estava rolando um clima entre ela e um outro colega nosso. Eu, ali como mera observadora da situação, confesso que me diverti. Adoro ser plateia quando a vida se faz bela bem na nossa frente. Em um lance de segundos, os dois trocaram um olhar que pareceu durar a eternidade. Naquele exato momento, eu senti um átimo de intimidade entre eles. Não se tratava da intimidade que cria corpo ao longo do tempo, mas daquelas que já nascem bonitas, tais como são as boas sementes. Não devo ter errado, afinal hoje eles são casados e tem uma linda filhinha.

No dicionário, intimidade se refere à vida doméstica, cotidiana ou a uma relação muito próxima, que denota familiaridade. No entanto, nem na prática nem na teoria, ela tem regras preestabelecidas para existir.

Peles que se tocam guiadas pelo desejo não expressam, necessariamente, intimidade. Essa palavra-planta que só floresce no tempo particular. Pode brotar como olhar e morrer sem frutos ou resistir à seca e tornar-se sombra, já que cresce de acordo com o solo e sobrevive graças ao nosso jeito de cuidar.

Intim(idade) de quem gosta de calendário e relógio para somar dias e horas, histórias e memórias.

(Int)imidade de interior, de quem toca a alma do outro feito pena que voa pelo céu e pousa na terra, silenciosa e sem alarde.

In-ti-mi-da-de: separada por sílabas para pontuar as delicadezas de quem, mesmo familiar, escolhe tornar a nossa individualidade sagrada.

Intimidade, assim colada, quando os olhos do outro marejam sem pudor diante de nós. Feito o silêncio que repousa, sem dor, entre duas pessoas. Como a confissão pecaminosa dita ao pé do ouvido. Tal como os dedos que escorrem pelo braço do outro sem gerar incômodo. Assim como os olhares que dispensam, magistralmente, qualquer necessidade de fala. Desejo de quem dança colado ouvindo música ambiente. Doce, se fruto do afeto; amarga, se parida da rotina.

Íntimo é o filho que mergulha no colo da mãe, a mulher que dorme no peito do companheiro ou dois amigos diante de um triste entardecer. Íntimo é quem nos toca por dentro, sem nos invadir.

Íntima é a solidão, é a xícara de asinha colada, é o pijama folgado, é quem ao nosso lado acorda descabelado. Íntimas são as roupas jogadas no chão quando dois se amam. Assim como são íntimas as mãos que repousam sobre as nossas quando a dor nos abraça.

Tornam-se próximos aqueles que mantêm as janelas abertas, mas trancam a porta para ouvir as batidas de quem deseja entrar, pois intimidade é consenso, palavra delicada, apenas bem-vinda quando é por nós convidada.

Photo by Kate Kozyrka on Unsplash



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Cris Mendonça é uma jornalista mineira que escreve há 14 anos na internet. Seus textos falam sobre afeto, comportamento e Literatura de uma forma gostosa, como quem ganha abraço de vó! Cris é também autora do livro de crônicas "Mineiros não dizem eu te amo".

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