Carta aberta para um ano em que SOBREVIVER foi mais importante do que VIVER

se nos anos anteriores eu ansiava pelo momento de escrever um textão sobre balanço do meu ano, posso dizer com toda a certeza que este ano só deu tempo mesmo de pensar em sobreviver.

dou os meus parabéns para quem achou que este ano não foi tão ruim assim. para quem entendeu que, apesar de tudo, o importante era seguir em frente e tocar a vida – afinal, o que se pode fazer, né? aos envolvidos que conseguiram manter essa sanidade mental, feliz ano novo antecipado.

o ano que sobrevivi foi só pancada mesmo. e que surra. não me lembro do meu emocional ficar tão caótico e os meus dias tão bagunçados desde que estudar para uma prova final de matemática acabava com qualquer perspectiva de felicidade.

este ano doeu pra valer. doeu muito. ainda dói e acredito que mesmo quando ele se tornar passado, muitas cicatrizes vão permanecer dele. o meu emocional passou de tudo um pouco, menos naquela parte importante e saudável chamada equilíbrio.

manter o equilíbrio este ano passou longe. mas longe para um ca****. gostaria de poder chegar agora e dizer que aprendi várias coisas novas, que tive várias ideias revolucionárias e que a minha vida alavancou de vez. se eu consegui me divertir alguns dias, esses foram apenas para não surtar.

não quero soar pessimista ou ingrato, mas não tem como eu sair deste ano inteiro e esbanjando a minha melhor versão. tô abaixando as cortinas deste ano em completo desgaste, com o saldo emocional no limite do negativo para não entrar no limbo existencial.

tiveram coisas boas este ano? algumas. agradeço, reconheço e tenho orgulho delas. mas não é por isso que eu vou sentenciar – que ano maravilhoso, que sorte a minha.

quando sobreviver deixa de ser na teoria e na prática mais importante do que viver é porque a tempestade não deu trégua. agora eu só posso tentar manter a calma, aguentar mais uns dias e ver no que vai dar o ano que vem.

vivi, mas não vivi. sobrevivi com requintes de não deixar saudades. cheguei até aqui sabe-se lá como. este ano machucou e eu tenho o direito de reclamar, deitar em posição fetal e chorar até soluçar.

Imagem de capa: Olia Nayda via Unplash



LIVRO NOVO



"Cidadão do mundo com raízes no Rio de Janeiro"

1 COMENTÁRIO

  1. Penso que 2020 valeu para os sobreviventes que aprenderam a valorizar o que realmente importa, descartando o supérfluo. Muito tempo para se pensar, viajando para dentro, mais devagar, sem a pressa com que a gente corria a fim de não chegar atrasado, onde mesmo? O luto ao redor nos silencia os arroubos e as queixas improfícuas e a gente fica se colocando, à toda hora, no lugar de quem sofre, sofrendo a dor do outro como se fosse a própria, algo assim que a gente não fazia com tanta freqüência, antes. Paramos de comprar trecos, coisas, objetos não tão importantes e necessários quanto são as invisíveis emoções de sentimentos valiosos, que agora nos importam mesmo, como por exemplo descobrir que rico é aquele que menos precisa e sábio é quem chega à essa conclusão sem o apego da posse. Agora valorizamos muito mais do que as paredes da casa que habitamos, quem reside nela, temendo perder quem vive no lar que respiramos, as pessoas que conservam a chama da nossa alma, acesa e clara. Sobrou tempo para ouvir o próprio coração e o coração do outro, por causa dessa catarse coletiva e mundial que, em nos arrastando para a prisão, nos fez mais livres. Doeu tanto assim por aqueles que vimos ir embora sem um adeus, ao menos, um abraço, um aceno, como flores que murcham de repente, deixando somente o perfume. Mergulhos compulsórios, no oceano de nós mesmos, foram inevitáveis, onde luzes do sol não se atrevem a desvendar águas sombrias, inexploradas antes. Porém fora do contexto mesmo, neste final de 2020, são estes comerciais de TV, fora do tempo e lugar, com artistas fantasiados de Papai Noel, sorrindo de orelha a orelha desejando um Boas Festas de mentira para sobreviventes de uma guerra que ainda não acabou e verdade seja dita, ninguém sabe quando. Há que se respeitar a desgraça sem essa falsa alegria que não convence quem está estudando a vida e a morte com a seriedade do aluno lúcido e aplicado que dispensou o “Oba oba” pra inglês ver, pretendendo tapar o sol com a peneira, mas não dá. Lágrimas são bem vindas sim. Gargalhadas, definitivamente, NÃO.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui