Cristiane Mendonça

Bolinho de milho frito, café e memória

Qual é o melhor momento do domingo? Alguns responderão a oportunidade de acordar tarde; outros, a hora do almoço; uns, o cochilo após a refeição. Eu, no entanto, fico com o café da tarde. Ali pelas 16h, quando o domingo ainda tem o seu frescor e, lá fora, as pessoas parecem repletas de silêncio e ócio.

Admito que, muitas vezes, decido o lanche das tardes de domingo no meio da semana, justamente nos dias em que, por falta de tempo, o pão francês é a saída recorrente. Então, na quinta-feira, cansada de pão, dou o veredicto: no domingo, teremos bolinho de milho frito. E assim é feito!

Como uma sombra, caminho silenciosa pela casa e ligo a cafeteira. Enquanto o cheirinho de café fresco invade a cozinha, ligo para minha mãe e peço, pela milésima vez, o passo a passo da receita. Ingredientes memorizados, escolho uma vasilha colorida, quebro os ovos, acrescento o fubá, os grãos de milho fresco, coloco pedacinhos de queijo, além de sal e fermento. A pimenta cumari em conserva – presente da hortinha de minha avó Maria – dá o toque final e sutil. O óleo, conforme esquenta, vai amorenando os bolinhos. Um a um os retiro da panela para um prato forrado com papel absorvente, onde os quitudes vão esfriando aos poucos.

Na mesa posta: café passado na hora e bolinho de milho frito com sabores de memória. O cheirinho do fubá e o barulhinho crocante são as sensações físicas do presente, mas o gosto é uma viagem ao passado. A minha cozinha, então, como mágica se transforma: não é mais um cômodo pequeno, de uma casinha em Belo Horizonte e, sim, a velha varanda dos meus avós, em Arcos. Os primos, ainda crianças, sentados nos bancos de madeira com as duas mãos ocupadas: uma pelo bolinho e, a outra, pelas diferentes xícaras disponíveis na casa. Satisfeitos, saboreamos o cafezinho da tarde, fazemos piadas uns dos outros e damos risadas. Até tudo se acabar, como agora.

São outros domingos, de novos cafés, mas de velhas memórias que se achegam no ócio de uma tarde em que cozinhar é uma oportunidade. Talvez, por isso, a melhor parte do meu domingo é sempre a tarde. Na cozinha, diante do vagar das horas, sinto gostos, repito gestos, mas, principalmente, reverencio as minhas memórias com alegria e paz.

***

Copyright © 2020 I Cris Mendonça. Bolinho de milho frito, café e memória. Todos os direitos reservados.

Imagem de capa: Cris Mendonça

Cristiane Mendonça

Cris Mendonça é uma jornalista mineira que escreve há 14 anos na internet. Seus textos falam sobre afeto, comportamento e Literatura de uma forma gostosa, como quem ganha abraço de vó! Cris é também autora do livro de crônicas "Mineiros não dizem eu te amo".

Share
Published by
Cristiane Mendonça

Recent Posts

Anderson Leonardo, do Molejo, falece após luta contra câncer inguinal. Entenda a doença rara

O mundo da música brasileira está de luto com o falecimento de Anderson Leonardo, aos…

27 minutos ago

Mãe e sua filha chamam a atenção por morar há três meses no McDonald’s do Leblon

Há quase três meses, a rotina incomum de duas mulheres tem chamado a atenção na…

57 minutos ago

Gato usa parque aquático canino para fazer natação e emagrecer

No abrigo Vanderburgh Humane Society, em Indiana, nos Estados Unidos, uma história peculiar ganha destaque:…

21 horas ago

Linn da Quebrada anuncia pausa na carreira para tratar depressão: “É necessário parar, respirar e cuidar”

A renomada cantora e ex-participante do reality show Big Brother Brasil, Linn da Quebrada, revelou…

3 dias ago

Porsche que gerou acidente fatal atingiu 156 km/h antes de batida: laudo revela detalhes chocantes

Um laudo da Polícia Técnico-Científica revelou que o Porsche conduzido pelo empresário Fernando Sastre de…

3 dias ago

Davi do BBB24 pede desculpas a Mani Reggo em meio a ‘mistura de emoções’: “Manter meu propósito”

No último domingo, 21 de abril, Davi Brito, vencedor do BBB24, recorreu às redes sociais…

4 dias ago