Já disseram que a inveja tem olhos grandes, e na dúvida, melhor acreditar

“You” é uma série que estreou no Netflix no final de dezembro e está dando o que falar. Baseada no best-seller de Caroline Kepnes, a série aborda um amor obsessivo e a linha tênue existente entre a curiosidade sobre a vida do outro e a insistência em vigiar a vida de alguém.

Comecei a assistir despretensiosamente, mas lá pelas tantas me vi completamente envolvida pela trama que é narrada em primeira pessoa, retratando o ponto de vista de Joe Goldberg, um gerente de livraria que se apaixona por Guinevere Beck, uma aspirante a escritora, e a partir daí começa a persegui-la nas redes sociais até descobrir tudo sobre sua vida. Fiquei de queixo caído com os diversos descuidos de Beck e com a capacidade doentia de Joe de querer controlar e vasculhar a vida da moça sem cessar. O que se segue é uma relação abusiva e uma obsessão extrema, com doses altas de psicopatia. Joe é manipulador e cruel, mas ainda assim tenta nos convencer de que faz tudo por amor.

Ao longo dos episódios, vamos percebendo que Joe não é o único que stalkeia. Seja porque ele quer mostrar que não é o único imperfeito, seja porque nossa sociedade está assim mesmo, o fato é que parei para refletir no quanto esse hábito de cuidar da vida alheia tem sido cada vez mais comum e prejudicial.

Pesquisando na internet sobre a palavra “stalker”, descobri que é uma palavra inglesa que significa “Perseguidor”. É aplicada a alguém que importuna de forma insistente e obsessiva outra pessoa. Com a internet, a prática entrou para o campo virtual: o cyberstalking é praticado através de meios informáticos com qualquer pessoa que desperte o interesse do perseguidor. A prática de espionar e perseguir alguém é denominada “stalking” (espreitar). As diversas redes sociais proporcionam aos stalkers todas as informações que buscam sobre o seu alvo. As celebridades instantâneas, a superexposição de algumas pessoas e a quantidade de dados pessoais divulgados nas redes facilitam e estimulam a atitude dos perseguidores virtuais.

Assim, se por um lado há uma superexposição, por outro há uma dificuldade de cuidar da própria vida. E isso não começou com a internet, que fique claro. Cuidar da vida alheia é um hábito que remonta aos tempos de nossos avós, quando cadeiras eram colocadas na calçada e o entretenimento era fiscalizar tudo e todos, de fulano até beltrano. Fiscalizar não para elogiar, mas para criticar. Não para ajudar, mas para prejudicar. Não para cooperar, mas para julgar.

Porém, nem tudo é da nossa conta. Nem tudo nos diz respeito. Ficar seguindo alguém com o simples objetivo de analisar e julgar, apontando o dedo e tirando conclusões precipitadas, monitorando para contra argumentar, acumulando dados para depois incriminar, não é saudável nem tampouco benéfico.

Se a minha existência e meu modo de viver e me expor te incomoda, não me siga, não me acompanhe, não foque sua energia em mim. Tão mais fácil desligar, silenciar, não acompanhar. Tão mais fácil deletar e desconectar. Pra que criticar, fazer deduções, culpar, controlar se você pode apenas não prestigiar? Pra que perder sua energia monitorando aquilo que você condena?

Somos todos curiosos e exibidos, e a internet facilitou essa espionagem e exibição, mas precisamos também ser cuidadosos. Nem todo mundo ficará confortável com nossa felicidade, nem todo mundo comemorará nossas vitórias, nem todo mundo estará ao nosso lado quando precisarmos. Seja prudente ao compartilhar a alegria e a tristeza, seja cauteloso ao expor seus planos e conquistas. Já disseram que a inveja tem olhos grandes, e na dúvida, melhor acreditar. Comemore, vibre, seja feliz. Mas não seja vaidoso com seus ganhos e sua alegria. Ao contrário, descubra que a discrição pode te proteger e te resguardar.

Não tem como romantizar a série “You”. Não tem como amenizar o comportamento bizarro de Joe e achar que violar a privacidade de alguém por amor seja algo bom. Em nome do “amor” e do “cuidado” muitas coisas ruins são praticadas, e a gente não pode achar que isso é normal. Ter as senhas das redes sociais, controlar os amigos, supervisionar os horários, vigiar e monitorar alguém não demonstra interesse, e sim abuso. Entender a diferença e perceber os sinais de fumaça é algo que precisamos praticar exaustivamente. Não glamorizar o excesso de “zelo”, e sim aprender a valorizar nossa individualidade, nossa necessidade de privacidade, nossa intimidade. Entender, acima de tudo, que o amor-próprio é conquistado lado a lado com a nossa capacidade de nos proteger e nos resguardar.

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*Imagem de capa: Divulgação Netflix



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Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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