A solidão do abandono dói muito mais que a solidão de estar sozinho

Essa semana, retornando de viagem, assisti a um filme que me marcou profundamente. “Mary Shelley”, longa estrelado por Elle Fanning, conta a história da escritora britânica que dá título ao filme, autora do clássico Frankenstein. A cinebiografia, da cineasta saudita Haifaa Al-Mansour, retrata a trajetória de Mary Shelley até o momento em que ela publica sua obra prima: “Frankenstein ou O Prometeu Moderno”, atribuindo voz, corpo e alma à dor e ao abandono que ela mesma sentia.

Para criar Frankenstein, Mary precisou vivenciar a desesperada solidão que define a criatura. Ela precisou conhecer profundamente a dor do abandono, da rejeição, e toda solidão dilacerante que acompanha a perda e o desprezo. Num dos trechos do filme, o poeta Percy Shelley, seu marido, diz a ela: “Nunca lhe prometi uma vida sem sofrimento, mas subestimei a sua melancolia”. E ela lhe responde: “Se eu não tivesse aprendido a lutar através da angustia, não teria encontrado essa voz novamente”. Pois foi através de toda dor e sofrimento vividos por Mary que Frankenstein ganhou vida e veracidade. Foi através da angústia de Mary que nasceu essa história que retrata a necessidade humana por união.

A criatura do Doutor Frankenstein anseia pelo toque de seu criador. Porém, quando o médico recua em pavor, deixando a criatura envolta em sentimentos de abandono e isolamento, acaba autorizando que a dor do abandono se transforme numa tragédia.

A solidão de ter sido abandonado dói muito mais que a solidão de estar sozinho. Pois o abandono é como farpa na carne a consumir nossos dias e noites; e a solidão advinda da rejeição leva porções de nós mesmos que antes nem sentíamos falta. Quanto maior nosso amor por alguém, mais devastador se torna o desprezo desse alguém por nós.

Nunca imagine que a culpa de ter sido abandonado pertence a você. Talvez uma parte, talvez nenhuma, mas acima de tudo, compreenda que há muito mais chão entre ser o abandonado ou ser o que abandona do que você poderia supor. E por mais que seu orgulho esteja ferido agora, acredite que ser o abandonado não te torna uma pessoa inferior ao que abandona. Colocar a mochila nas costas e partir sem olhar para trás não é premissa de vencedores, e sim de quem está desistindo de uma história porque ela deixou de fazer sentido. Tem muito pássaro que acredita que criar laços é se acorrentar, e você pode ter encontrado um assim. Deixe-o voar… e construa seus próximos ninhos com quem deseja ficar.

Assim como o caramujo se encolhe ao ser tocado, nem todos desejarão permanecer ao nosso lado, e não poderemos fazer nada contra esse fato. Ser o rejeitado e não o que rejeita não nos torna menores ou piores. Ser a mão que toca e não a concha que encolhe não nos torna menos atraentes ou interessantes. E é justamente por isso que temos que ser cuidadosos. Lapidar a dor do abandono para que os sentimentos feridos não amarguem a vida nem impeçam a chegada das alegrias futuras mas, ao contrário, nos ensinem a lutar através da angustia, transformando dor e vulnerabilidade em novas possibilidades.

Nada em você foi covarde e isso tem que bastar. Chega de insistir, fantasiar, romantizar. Chega de se culpar, se vitimizar, se ressentir. Chega de cutucar feridas, enxergar “sinais”, repassar a “cena do crime”. Chega de deduzir, contabilizar, concluir. Confie em mim: esquece o que te fez mal, toque o barco e lute, lute muito por si mesmo. Às vezes a gente precisa perder a fé em alguém para adquirir uma fé enorme na gente mesmo.

Uma ferida antiga irá latejar nos dias de chuva e alfinetar durante os filmes tristes. Mas também será a lembrança de que você seguiu. Não cuide de suas cicatrizes como amuletos de um tempo, e sim como marcas de uma pessoa que escolheu a si mesma. E isso basta.

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Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

1 COMENTÁRIO

  1. Nada em você foi covarde e isso tem que bastar. Chega de insistir, fantasiar, romantizar. Chega de se culpar, se vitimizar, se ressentir. Chega de cutucar feridas, enxergar “sinais”, repassar a “cena do crime”. Chega de deduzir, contabilizar, concluir. Confie em mim: esquece o que te fez mal, toque o barco e lute, lute muito por si mesmo. Às vezes a gente precisa perder a fé em alguém para adquirir uma fé enorme na gente mesmo.

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