Com alegria e espanto, tornou-se avó. Era uma tarde quente de setembro em que o vapor do asfalto subia, enquanto os carros buzinavam. O mundo estava exatamente igual: caótico, perturbado e incongruente. Mas, quando ela pisou no quarto da maternidade e viu a sua menina com um bebê nos braços, o relógio parou. Ali, avó, mãe e filha, tinham o seu primeiro encontro juntas. Três gerações de mulheres parando o tempo insano. A mão da mulher mais velha, já colorida pelas manchas causadas pelo sol, acariciou o braço da filha que se tornava mãe de primeira viagem.

As palavras não foram necessárias, enquanto os cabelinhos pretos, a boquinha fazendo bico e os olhos, ainda cerrados e preguiçosos do bebezinho, calavam o mundo lá fora. Tudo estava resolvido naquele momento: Aurora havia nascido. E com Aurora, uma mãe. E com a mãe, uma avó.

E sendo avó, despediu-se da filha e da neta, salientando que as encontraria em casa para lhes prestar apoio familiar nos primeiros dias. Ao atravessar a porta da maternidade rumo à rua, sentiu que também atravessava outra porta: a da própria vida, como se selasse um antes e um depois sobre algo que ela não conseguia descrever, mas fazia seu coração bater com força.

O rostinho da neta a levou para as lembranças do rosto da filha quando nasceu, e percebeu assim, que mais de trinta anos haviam passado. Já era uma mulher plena, mas ainda ansiava por coisas de três décadas passadas. Era como desenrolar o fio da vida: a idade apontando que ela se aproximava dos 60 anos, mas a sua mente não. Seu corpo, mesmo que assumindo um ritmo mais lento, permanecia aberto aos desejos. Sua maturidade coordenava com maestria seu andar, suas palavras, seu modo de vestir, agir e trabalhar.

A chegada da neta parecia ornar com um belo quadro, a sala de estar decorada com sofá claro, almofadas coloridas e uma zamioculca sempre viçosa. Tudo soava em paz porque a vinda de Aurora reafirmava o prazer de estar viva: não mais uma jovem cheia de sonhos, não mais uma mãe ainda em dúvidas sobre a maternidade, não mais uma mulher buscando seu lugar… Agora ela era a avó da pequena Aurora, sorrindo para um mundo em que ela se via ainda mais completa.

Da gratidão, nasciam três certezas: permanecer cuidando de si mesma, estar aberta aos novos aprendizados e sentir-se livre para sempre recomeçar.

Cristiane Mendonça

Cris Mendonça é uma jornalista mineira que escreve há 14 anos na internet. Seus textos falam sobre afeto, comportamento e Literatura de uma forma gostosa, como quem ganha abraço de vó! Cris é também autora do livro de crônicas "Mineiros não dizem eu te amo".

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Tags: Sentimentos

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