Desculpas aceitas

 

Tem aquele amigo que nunca chega na hora, mas está sempre por perto nas horas mais difíceis para ajudar a segurar as barras mais pesadas, e nunca se afasta nos gloriosos momentos de vitória.

Tem aquele amigo que está sempre sem grana, mas nunca está sem tempo para escutar a gente ou sem coragem para nos contar suas fraquezas.

Tem aquele outro que é incapaz de se lembrar do seu aniversário, assim como é totalmente capaz de esquecer suas mancadas.

Quem de nós há de nunca ter tido um amigo que se perde até dentro da própria casa, nunca sabe onde colocou as chaves, deixa para ir atrás do passaporte na véspera da viagem e é bem capaz de entrar de meias no chuveiro?! Ahhhh… essa é aquela deliciosa pessoa distraída e leve, que tem o poder mágico de nos fazer sorrir no meio das mais complicadas situações.

E há de ter aquele amigo que sabe exatamente onde nos apertar, que ignora as nossas manhas, que faz vista grossa para as nossas garantidas habilidades e que beira a crueldade ao exigir de nós um passo além da exaustão, vencida uma maratona.

Eu tive a honra e o desespero de contar em toda minha vida com uma única amiga dessas. E quis o destino que ela partisse precocemente, deixando para trás uma legião de admiradores, que nem sempre a amaram. Mas todos, sem nenhuma exceção, acabaram sucumbindo à sua enérgica forma de exigir de si mesma e todos à sua volta, a perfeição.

Talvez tenha sido essa justeza às últimas consequências que tenha contribuído para a liga que existia entre nós. Eu sei que ela sabia que podia contar comigo, com meus braços, com meu colo, com a minha compreensão. Na mesma medida em que eu nunca duvidei do fato de que de minha parte, eu teria de ralar muito para merecer dela uma ínfima parte do meu amor gratuito.

E certa vez, caí eu no erro grave de ter de exercer a minha autoridade de amiga para fazê-la retroceder em sua quase arrogante certeza de estar sempre certa. Naquela situação, ela não estava. Naquela situação, ela havia sido injusta; e eu não pude me calar.

E então, veio a pior reação que se pode esperar de um amigo querido: NENHUMA. A indiferença é, sem sombra de dúvida a mais dolorosa resposta que se pode receber. A indiferença nos anula, tira de nós qualquer possibilidade de buscar um retorno.

E, como sempre acontecia, eu cedi. Engoli meu orgulho banhado no fato de ter razão, me despi de qualquer resquício de altivez que pudesse me restar e pedi desculpas. Pedi desculpas por quem sabe, talvez, quiçá, não ter escolhido as melhores palavras, não ter me colocado da forma mais adequada.

Ela olhou-me no fundo dos olhos, segurou os meus ombros, me abraçou e disse: “Desculpas aceitas!”.

E eu fiquei feliz! Feliz demais, porque naquele instante me dei conta de que a gente não precisa estar sempre certo aos olhos do outro – por mais que amemos este outro -, desde que estejamos em paz com as escolhas feitas. Porque é disso que a vida é essencialmente feita: escolhas, às vezes muito, muito difíceis!



LIVRO NOVO



"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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