André J. Gomes

Quando um amor faz mal, o melhor remédio é uma boa separação.

Todo amor dá certo. Não interessa o tempo. Não importa quando nem quanto. Em qualquer quantidade, amor é amor. O que vale é a qualidade. Uns duram pouquinho, chama de fósforo, fogo de palha. Outros passam a vida inteira queimando, ardendo, alastrando seu calor na vizinhança. Esses vão longe, chamuscam quem passa perto, multiplicam seu incêndio em um milhão de labaredas assanhadas. Mas é tudo amor. Dure muito ou quase nada, é tudo amor.

“Ah, que pena que não deu certo…”, lamenta a pessoa desavisada ao saber do divórcio da vizinha. Mal sabe ela o quanto essa vizinha anda mais leve. Não adianta explicar. Tem coisas que só uma boa separação há de fazer pelo amor que se presta a fazer mal. Primeiro porque amor que faz mal é um escandaloso contrassenso. Amor tem de fazer bem ou não é amor. É dependência, perversão, crueldade, patologia, choramingação. Qualquer coisa ruim, com um nome ruim. Menos amor.

Depois, porque é muito injusto e dolorido assistir a um sentimento que um dia foi tudo se tornar nada. Por fim, porque às vezes não se pode mesmo restaurar o amor, como quem cola a asa de uma xícara quebrada. Acontece. Respeito a opinião de quem afirma tão seguro e inflamado: “se acabou é porque não era amor de verdade!”, mas eu prefiro a calma da minha impressão de que tudo acaba, sim. Até o amor. E acho que isso não o torna pior do que nada.

Vez em quando, penso assim comigo que quem tanto lamenta o fim do amor não aprendeu a agradecer o seu início e não há de celebrar o fato de ele simplesmente ter existido. Se existiu, é porque deu certo. Um dia, um mês, um ano. Uma vida. Não importa. Todo amor dá certo. Sobretudo quando acaba no tempo devido. Ô, gente que só reclama!

Quando ouço um queixume, desses que tentam azedar o leite, sabotar a festa, roubar-nos o sono, eu sonho aqui dentro, sozinho, que tem um lugar por aí, cravado entre a lembrança de tanto ontem e a esperança de todo amanhã, onde vivem os amores que dão certo.

Estão todos lá. As pessoas mais lindas do mundo, as juras de amor para sempre, os sonhos realizados, as horas eternas de elevação, os instantes de saudade, os segundos de ouro dos primeiros encontros. Tudo.

É para lá que vão os amores que dão certo. Todos eles dão, sim, mas uma hora, por qualquer motivo, também dão de acabar. Lá, nesse canto suspenso, eles se escondem das lamúrias de quem os acusa de fracasso e se abrem para a festa de um dia terem sido o que puderam ser. Lá vivem as lembranças dos casamentos bem sucedidos, os namoros de infância perdidos no tempo, os encontros desencontrados, os noivados não evoluídos e todo encanto das possibilidades. Vivem todos juntos, perto um do outro, bem longe da sanha dos queixosos afoitos. Felizes em suas nostalgias, embriagados de sua eternidade. Deitados na grama verde dos instantes inesquecíveis. Certos de que, não importa seu prazo de existência, o amor é como a vida. Sempre um estalo, um sopro, um sonho.

Ali, um anjo encarnado num cantor de bar, tocando noite inteira as canções que nos ressoam no fundo do coração, nos lembra de que quando a festa acaba a vida recomeça, como a música que a gente ouve mil vezes, uma depois da outra.

Cantando, diz o anjo que quando o amor agoniza é sempre tempo de escolher: ou a gente vira o disco e segue em frente, cada um para o seu lado, ou põe nossas canções para tocar de novo. Porque o amor existe para além das medidas convencionais, dure o quanto durar. Em qualquer tempo, de qualquer sorte, o amor é sempre “para sempre”. Para além de qualquer engano, acima de qualquer erro, no começo, no meio ou no fim, todo amor sempre dá certo.

Imagem de capa: Teresa Yeh Photography, Shutterstock

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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