Se tiver sorte, você também será velho um dia…

Imagem de capa: De Visu/shutterstock

Eu fui surpreendida dia desses por um vídeo, daqueles viralizados na internet, em que o filho maltratava muito a mãe idosa, portadora de Alzheimer. Eram imagens torpes e brutais. Ele mandava que ela se calasse, ela implorava por compaixão; ele levantava objetos para atacá-la, ela iniciava um chorinho doído e se encolhia, numa tentativa falha de se proteger. Ele torturava a mãe psicologicamente: “vou te internar”; “vou te dar para fulano”; “não suporto mais olhar para sua cara”.

Diante de tudo isto, foi inevitável para mim não lembrar de meus avós, que permanecem vivos, com mais de 80 anos de idade. Também lembrei imediatamente dos meus pais, aos quais eu peço licença todos os dias para permitirem que eu cuide deles quando necessário for. Pensei e pensei muito.

Se tivermos sorte, nós também vamos envelhecer. Vamos ficar chatos, birrentos, teimosos; às vezes, vamos cheirar mal, devido à incontinência urinária, que permite que o xixi saia sem querer. Nosso corpo inteiro vai doer; os ossos quebrarão sem motivo aparente; nós vamos reclamar sem parar, afinal, o corpo estará estranho; nós vamos esquecer de muitas coisas: o nome dos nossos pais, o rosto dos nossos filhos quando bebês, o sabor da cerveja de fim de tarde, o caminho até o supermercado e até o que é mesmo que estamos fazendo ali. Alguns de nós vão aprender a xingar e se tornar ranzinzas, afinal, a vida passada foi cheia de agruras, que só agora teremos tempo para remoer. Outros vão ficar presos em algum lugar feliz do passado, onde não se sentiam sozinhos. Quem sabe, alguns aprendam uma nova profissão ou apenas saiam todos os dias para caminhar com o cachorro. Seja como for, todos nós, se tivermos sorte, ficaremos velhos também.

E, nessa velhice, teremos enterrado metade das pessoas que amamos; aberto mão de nossos adorados hábitos da juventude; aprendido a ver a vida passar como foguete, diante de nossos olhos cansados; estaremos ali, pelos cantos, à mercê das vontades dos outros e das nossas lembranças de tempos longínquos.

Se tivermos sorte, a dor de envelhecer e esperar a morte, será amenizada por um filho caridoso, um sobrinho gentil ou um netinho barulhento. Olhe para os seus velhos e lembre-se de que você será velho também, se tiver sorte.

Jamais se esqueça, que a mão que um dia balançou seu berço, vai deixar de servir até como instrumento de alimento para o seu dono. Pois é, esta mão que te alimentou durante noites e noites sem fim. Estes olhos cansados muitas vezes deixaram de entrar em sono profundo para atender as tuas birras e caprichos. Este corpo, velho e imprestável, é o mesmo corpo que um dia foi o instrumento que te garantiu roupas, comida, estudos e lazer.

Mas, lembre-se muito bem, se você tiver sorte, você envelhecerá também e a vida te dará a justa medida do que você deu ao longo dela.



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Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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