Não quero que você me ame muito, quero que você me ame “direito”

Imagem de capa: Nina Buday, Shutterstock

Gostar muito, mesmo que seja difícil de acreditar, nem sempre é sinônimo de gostar direito, porque a quantidade, às vezes, não anda de mãos dadas com a verdadeira qualidade afetiva e de relacionamento. O amor não basta quando o respeito não se alcança, e nem tudo vale nem tudo deve ser perdoado em nome de uma paixão às vezes destrutiva.

Aaron T. Beck, um dos psiquiatras com maior peso dentro da terapia psicológica cognitivo-comportamental, explica isto no seu livro “O amor não basta”. Em cada uma de suas páginas podemos ver o reflexo de muitos de nossos próprios pensamentos e comportamentos: resumidamente, a maioria de nós continua preso à eterna ideia de que o amor tudo pode, que é uma energia incombustível que tudo cura e tudo resolve.

“O amor autêntico torna possível o paradoxo de dois que se tornam um sem deixar de ser dois.”
-Erich Fromm-

De fato, reconhecer que não é suficiente sermos “muito amados” para sermos realmente felizes é uma coisa bastante desanimadora, sem sombra de dúvida. Contudo, acontece a mesma coisa em outras áreas: o talento também não basta para alcançar o sucesso, nem o dinheiro é a chave e a ponte direta para a tão ansiada e sonhada felicidade.

A vida é cheia de nuances que às vezes nos desesperam e outras nos desorientam, e com frequência nos colocam em um estado de impotência absoluta. Amar muito nem sempre é reflexo de amar bem. Isto é uma coisa que precisamos entender o quanto antes para saber reagir, para deixar de lado tristes idealizações e sermos capazes de construir relacionamentos mais fortes, realizadores e maduros.

Quando amamos muito, mas amamos errado

Muitos de nós escolhemos determinados parceiros porque dizemos a nós mesmos que “é a pessoa certa, a que me convém, a que pode me fazer feliz”. Contudo, a realidade é bem diferente, porque como a maioria de nós sabe, ninguém “escolhe” por quem se apaixona; o amor, como a paixão, não se escolhe. Chega e arrasa.

Pouco a pouco mergulhamos em um turbilhão de emoções, sensações e idealizações que tornam esse relacionamento uma coisa quase celestial, e dizemos a nós mesmos e aos outros que “nosso amor é mágico, avassalador e sem fissuras”. Quase sem perceber, vem a abnegação onde não existem fronteiras, somente o “vivo só para você” e a codependência feliz onde nos amamos muito, e onde o seu e o meu fica aniquilado para dar forma a um “nosso”, onde se dissolvem as próprias identidades.

É preciso considerar que esses amores supostamente celestiais, que não conhecem condições, são os mais perigosos. Porque o amor verdadeiro é terreno e precisa de condições, quer limites e fronteiras para proteger, quer espaços privados para respeitar e equilíbrio para manter em adequada harmonia.

Quando o amor se dá em excesso, pode se tornar tirano e podem surgir as seguintes dinâmicas que detalhamos abaixo:

As 4 armadilhas do amor dependente e do amor nocivo

Os amores codependentes levam, cedo ou tarde, a uma série de práticas que precisamos saber reconhecer não apenas para saber nos defender delas, mas também para evitar praticá-las nós mesmos.

A armadilha do “tudo ou nada”. Amar muito e amar errado nos transforma, sem percebermos, em extorsionistas profissionais. A dedicação mútua (para muitos) precisa ser total e absoluta.

A armadilha do “deveria”. Sempre chega a hora em que um dos membros (ou mesmo os dois) começam a cair na obsessão de pensar constantemente no que a outra pessoa “deveria fazer e não faz”. Se não faz isto é porque não gosta de mim de verdade, seu eu faço aquilo ele deveria fazê-lo também por mim.

A armadilha da culpa. Esta estratégia é, sem dúvida, uma das mais comuns nestas teias de aranha dos relacionamentos. Projetar o sentimento de culpa no outro para fazê-lo se sentir mal e “descuidar” do outro ou machucá-lo sem perceber é algo muito comum.

A armadilha da imaginação catastrófica. O amor obsessivo, dependente e tóxico é muito propenso a imaginar coisas sem fundamento e a desconfiar. O seu receio de ser traído ou enganado pode se transformar em uma coisa persistente.

Me ame livre, mas com você

Existem pais e mães que adoram seus filhos, que os amam com loucura, com abnegada devoção e sem medida… Os amam muito, mas os amam do jeito errado. São amores asfixiantes que cerceiam asas, que frustram infâncias, apagam sonhos e inclusive a capacidade de alcançar uma maturidade segura e feliz.

“Quem sabe amar de verdade sempre ganha.”
-Hermann Hesse-

Nos casais acontece a mesma coisa. Não é preciso morrer de amor, nem sofrer por ele, não devemos permitir que abdique do nosso eu ou da nossa própria autoestima em favor do outro. Precisamos ser exigentes e dizer coisas como “não quero que você me ame muito, quero que você me ame BEM”.

Por outro lado, uma coisa da qual todos nós somos conscientes é que poucas coisas são tão importantes e emocionantes quanto se sentir amado sem limites e de forma desmedida. É uma forma de reafirmar o “eu”, de se sentir injetado por uma energia transbordante que nos emociona e nos envolve. Contudo, precisamos ser cautelosos e manter sempre a cabeça fria, porque o amor tem limites e estes estabelecem a sua integridade, a sua dignidade e a sua felicidade.

Se em algum momento um desses pilares se tornar vulnerável, é hora de sair dessa jaula de barrotes dourados.

Fonte indicada: A Mente é Maravilhosa



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Blog oficial da escritora Fabíola Simões que, em 2015, publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos Afetos".

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