Honrar o que se diz e dizer apenas o que se puder cumprir

Imagem de capa: ESB Professional, Shutterstock

Palavras podem ser apenas inocentes rabiscos no papel, ou um amontoado de letras digitadas e refletidas numa tela. Podem ser vazias, e assim, não serão mais inocentes; porque palavras vazias têm a curiosa capacidade de nos roubar o que preenche a vida de sentido. Podem ser estudadas, planejadas e estrategicamente colocadas para produzir efeitos previamente desejados; ou podem vir direto daquela parte orgânica de nós que produz os mais limpos e honestos sentimentos; essas revelam muito sobre nós, justamente por serem espontâneas, diretas, verdadeiras. No entanto, não devemos nunca duvidar de seu poder; uma única palavra pode levantar ou derrubar um ser humano num momento de fragilidade física ou emocional.

Ainda bem pequenos aprendemos o poder da palavra; descobrimos que ao conseguirmos nomear as coisas ou – ainda mais importante – revelar o que sentimos, tornamo-nos mais aptos a conseguir satisfazer nossos desejos ou necessidades. A capacidade de nos fazer entender e de entender o outro, por meio da palavra, nos confere um atributo inerente e particular do ser humano: temos um código de sinais, sonoros ou escritos que nos insere num grupo maior; e, com alguma sorte, mais humano, porque fala e entende a nossa língua.

Ao longo da nossa existência vamos descobrindo, por meio de experiências, dolorosas ou de sucesso, a forma mais eficiente de manipular o sentido das palavras e, assim, garantir ou distorcer a verdade, a depender de nossas intenções, de nosso caráter e dos valores que nos movem.

Ansiosos que somos, em virtude da nossa maneira de funcionar, incluídos ou à margem do mundo, abrimos mão da habilidade de ouvir nossos semelhantes. Enquanto o outro fala, nossa mente trabalha em ritmo frenético, ora buscando antever a sua próxima fala, ora buscando a melhor maneira de fazer oposição ou argumentar em nosso favor ou defesa. Essa inquietação nos coloca numa situação bastante estranha: como não nos ouvimos uns aos outros (NUNCA!), passamos uma existência inteira sem saber exatamente o que pensamos, queremos, lamentamos ou tememos da vida. Passamos a vida reagindo apenas; nada de reflexão, nada de interação; péssima comunicação.

O fato é que o que dizemos, queiramos ou não, nos define aos olhos do mundo. Se formos agressivos, despertaremos no outro a instintiva necessidade de defesa ou ataque. Se formos assertivos, habituaremos o outro a nos conceder alguma atenção, uma vez que nossa postura inspirará confiança e firmeza. Se formos demasiadamente complacentes, conferiremos ao outro o direito de nos diminuir, desmerecer e subjugar, já que exibimos uma imagem frágil e insegura. Se formos amorosos, tranquilos, corretos e gentis, ainda que demore um pouco, acabaremos por encontrar o nosso lugar nesse vasto mundo; acabaremos por manifestar no outro uma postura mais flexível e acolhedora; conseguiremos com a nossa atitude pacífica contagiar o entorno e transformar, um pouquinho a cada dia, a forma como o mundo nos enxerga, interpreta e trata.

A descoberta da palavra pode ser apenas uma das nossas inúmeras aprendizagens nesse planeta; pode significar apenas o domínio de um código de troca de informações; pode representar algo pouco importante do ponto de vista da evolução, caso nos conformemos apenas em reproduzi-las. Entretanto, como tudo na vida, há sempre outras inúmeras opções. Que o domínio desse maravilhoso recurso de comunicação seja entendido como uma ferramenta de aproximação e não de confronto ou julgamento. Que ao formarmos imagens mentais do nosso discurso, sejamos mais capazes de considerar que os outros têm o direito de nos interpretar. Que a nossa habilidade de juntar palavras, ultrapasse a esfera da manipulação e nos faça compreender que ao defender o direito de expressão e manifestação de todos – inclusive dos que discordam de nós – estamos, também, garantindo que seja ouvida e respeitada a nossa voz.

No dia em que tomarmos consciência que aqueles que almejam o bem maior precisam colocar em atitudes o que tão habilmente discorrem em palavras; que o abuso de poder só acontece quando nos calamos, por covardia, concordância ou conveniência; que o que se fala só tem valor quando acompanhado de postura coerente; que palavras mordazes, irônicas, depreciativas e ofensivas só servem para nos diminuir, enquanto tentamos diminuir o outro, estaremos prontos para expressar apenas o que for para construir, elevar e acrescentar. Neste dia, nossa palavra terá o valor de uma promessa que já nasceu pronta para ser cumprida; terá a força de uma prece sentida e a energia de transformação e cura que acompanham apenas aqueles que honram o que dizem e dizem apenas o que são capazes de cumprir.



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"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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