Não seja inimigo do seu amor

Imagem de capa: Ollyy, Shutterstock

Alguns casais cometem um erro fatal: tornam-se inimigos um do outro. Criam em torno do relacionamento amoroso uma relação de ódio, rancor e competição, em que cada um se ocupa de vencer e sublimar o outro. Eu sei que parece loucura, dito assim desta forma, ou até mesmo muito descontextualizado, mas muitos relacionamentos se constroem em torno desta atmosfera.

A antiga história de dormir com o inimigo é mais real que se possa imaginar. Há parceiros incapazes de comemorar as conquistas e realizações do outro, que sentem um prazer real em menosprezar tudo que o outro acha importante e que lhe faz bem. Em algum momento, aquele que era para ser um amor começou a ser um inimigo, em meio aos beijos e juras de amor, um outro “eu” nasceu e este “eu” tem como missão primordial competir com o ser amado. Se ele te beija com afeto e ternura, cobra a mesma intensidade. Se ele te diz “eu te amo”, exige que você diga a mesma quantidade de vezes. Se ele decide que o mundo dele gira em torno de você, o seu também deve girar. Muitas vezes você até pensa que ele tem uma balança do amor, onde pesa a medida que cada um dá de si para o outro, justificando assim a frequente sensação de injustiça amorosa que ele sente.

Qualquer sinal de independência afetiva torna-se uma afronta, uma ação maldosa que ele/ela vai encarar como um ataque pessoal. A sua mínima demonstração de felicidade sem a presença dele é suficiente para provocar uma reação de proporções colossais, afinal, como você ousa ser feliz sem ele?

Não sei como ou por que, mas algumas pessoas decidem esquecer-se de como já foram felizes sozinhas um dia e adotam para si a única verdade de que só existe felicidade junto do outro. O problema é quando o outro não corresponde a essa forma abusiva de amar e permanece tendo identidade. Cria-se, então, uma relação em que o que é dado começa a ser cobrado, pois é este o senso de justiça daquele que se tornou inimigo.

Um relacionamento não pode ser uma quebra de braços, cada um ama com o que tem disponível para dar. Não é que nenhum de nós deva aceitar relações frias e vazias, mas amor não se exige. Se exigimos amor, será que é mesmo amor? Quando alguém nos ama, nos ama porque quer, porque assim o decidiu e ele nos dá o que tem para dar. As pessoas são diferentes e, por esta razão, não se expressam da mesma forma. Quantas vezes eu já vi esposa odiando marido porque ele sempre esquece as datas de bodas ou qualquer coisa boba do gênero? Quantas vezes já vi marido amaldiçoando a esposa porque ela simplesmente não tem saco para assistir futebol com ele e prefere ficar ao telefone com a amiga? Quantas vezes já vimos estes fatídicos momentos em que um relacionamento de amor se mostra de ódio e aquela pequena falta, comum e corriqueira, torna-se um pecado capital?

A verdade é que quem decide atrelar seu amor a estas cobranças não amadureceu para se relacionar e, infelizmente, torna-se inimigo pouco a pouco de quem diz amar. Muitas vezes, o que aquela pessoa te dá é exatamente tudo que ela tem dentro de si, afinal, quem somos nós para achar que conhecemos o interior das pessoas que nos rodeiam? Provavelmente, a pessoa que você decidiu odiar porque não te diz as mesmas coisas que você diz é exatamente a única que aceita este teu jeito doido de amar. Talvez, e apenas talvez, esta pessoa que te irrita porque tem a ousadia de gostar de passar tempo sozinha e longe de você, gaste boa parte deste tempo pensando no que fazer para tentar amenizar essa sua sensação de infelicidade e insatisfação. Mas, é como eu disse, não sabemos precisamente o que vai dentro de cada um, afinal, como deveria ser, somos todos um grande mistério. Portanto, antes de se tornar inimigo do seu amor, reflita, pois ele pode exatamente estar te amando com tudo que tem, mas a sua forma exclusivista de amar não deixa você ver além do “por que apenas eu digo que te amo?”.



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Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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