Um pai que chora não se afoga nas próprias lágrimas.

Imagem de capa: mrmohock, Shutterstock

Nasci no Pará, sou filho de gente pobre e com pouco estudo. Neto de cidadãos não civilizados. Corre, nas minhas veias, o sangue do índio, negro, caipira, ribeirinho. É tanto sangue correndo que, às vezes, faltam-me veias de chegada.

Surgi num casamento que fracassou antes de eu me dar conta de que existia casamento. Meu pai se embebedava demais, minha mãe fugira comigo e, quando captei essa história toda, eu já era menino maiorzinho.

Na minha infância, chamei meu padrasto de pai. Era o maior homem do mundo, mas ficou pequeno e coube numa morte.

Ele partiu, deixou uma casa e um filho para a minha mãe criar. Meu irmão tinha apenas três anos. Eu sete. Mamãe, vinte e cinco. Sem o ensino médio, era suprema administradora pessoal (ou empregada doméstica) na casa de uma das vizinhas. Quem mandava no chão e nas louças, preparava os cardápios, uma profissional de alto escalão.

Haveria pessoa mais forte do que esta? Carregando dois filhos, dois lares e um salário mínimo sobre os ombros, com equilíbrio mutante?

Morávamos numa imensa casa de dois cômodos. Eram uns dez metros quadrados e, como eu tinha pouco mais de um metro, sobravam vários pra ocupar. Ali, naquele palácio de madeira antiga (ou velha?), vi minha mãe chorar.

Contida, sugava as lágrimas que desciam. Dormíamos todos na mesma cama. Fingi continuar meu sono. Fechei os olhos, ouvia o soluço dela, com leve dizer baixinho para si mesma.

“Mas vou vencer.”

Eu não sei, até hoje, qual a vitória que naquela madrugada Mamãe queria. Mas, por vezes que as disputas pareciam me derrubar, eu também deitei no meu quarto sozinho, chorei e disse que iria vencer.

Se um dia eu for pai, quero ser como minha mãe nessa noite.

Um pai que se deita, sente o peso do cotidiano, fala baixinho, enquanto a família dorme. Vive para não interromper os sonhos de quem ele ama.

Na humanidade que tem. Amanhece o dia, levanta-se da cama e, elegantemente, gargalha. Um pai que chora não se afoga nas próprias lágrimas.

Inspirado em O Filho Que Quero Ter de Vinicius de Moraes e Toquinho.



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"Escrevo porque fui alfabetizado um dia. Nada é meu, tudo é aprendido. Sou um autor de textos de todo mundo. O meu texto é pra ser isso, é pra ser teu." Um dos editores do Conti Outra e integrante do fan club de gifs de cachorros.

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