Categories: Marcel Camargo

Nossos filhos não são depósitos dos nossos sonhos

Imagem de capa: altanaka, Shutterstock

Muitas vezes, esperamos que os filhos se tornem alguém que nós queríamos ser; desejamos que eles cursem a faculdade que nós queríamos ter feito, ou seja, transferimos aos filhos a responsabilidade de viver o que nós não vivemos quando tivemos nossa chance.

Os filhos são nosso legado, a perpetuação de quem fomos; através deles teremos a continuidade de nossa existência e de nosso amor, que nutrirão em suas mais doces lembranças. São nossos bens mais preciosos, a razão de nosso viver, o combustível que nos fortalece na luta diária, amor incondicional e verdadeiro.

Natural, portanto, querermos sempre o melhor para eles e termos orgulho do que são, de suas conquistas, da pessoa em que aos poucos vão se transformando.

No entanto, tendemos, muitas vezes, a nos concentrar demais nas suas vidas e, com isso, paramos de prestar atenção em nós mesmos, no que somos além deles. Assim, acabamos por projetar nos filhos tudo aquilo que é nosso: nossos sonhos, nossos projetos, nossas verdades.

Criamos expectativas em relação a eles que, na verdade, são expectativas nossas em relação a nós mesmos. Esperamos que os filhos se tornem alguém que nós queríamos ser; desejamos que eles cursem a faculdade que nós queríamos ter feito; ou seja, não raro transferimos aos filhos a responsabilidade de viver o que nós não vivemos.

É difícil e doloroso olharmos para trás e encarar o que não tivemos coragem de fazer, o que não tínhamos como pagar, o que não nos foi permitido por nossos pais, o que não se disse, não se viveu, não se realizou. Como não queremos que nossos filhos sofram, como nós, o gosto amargo dos arrependimentos que teimam em nos perseguir, acabamos, sem perceber ou querer, extrapolando os limites de uma orientação sadia, impondo-lhes escolhas que cabem somente a eles.

Para muitos de nós, pais, é quase impossível conformar-se resignadamente com o fato de que a vida é deles, os sonhos são deles, os erros – incontestavelmente imprescindíveis – serão deles também.

Nossos filhos são pessoas que pensam, agem e vivem de forma autônoma, possuem os próprios sentimentos, os próprios sonhos e desejos. Carregam as verdades que construíram de acordo com o que sentem, com a forma como lidam com o mundo à sua volta, e não necessariamente – raramente, na verdade – seguirão caminhos iguais aos nossos ou aos que queremos.

Lançar-se-ão ao mundo, desfrutarão as alegrias, enfrentarão os dissabores, entregar-se-ão às paixões, munidos de toda bagagem emocional acumulada à maneira deles e, por mais que não se perceba ou não pareça, sempre haverá muito do pai e da mãe ali em meio ao que os filhos carregam vida afora.

É natural nos preocuparmos com as suas escolhas, pois muitas vezes enxergamos as consequências futuras com negatividade e queremos, a todo custo, evitar-lhes frustrações. Não é fácil, por exemplo, assistir calmamente aos filhos optando por profissões pouco rentáveis, apaixonando-se por quem não nos agrada, vestindo-se de uma maneira que nos choca, ouvindo músicas que ferem nossos ouvidos.

Nesses momentos, cabe aos pais perceberem se eles estão confortáveis e felizes com aquilo, se não estão prejudicando outrem, porque nada deve importar mais do que o bem estar e a felicidade deles. Caso não estejam escolhendo caminhos ilegais, antiéticos ou autodestrutivos, é preciso deixá-los conviver com as escolhas que fizeram e com os resultados delas, por mais que isso doa.

Quanto mais vivermos a vida de nossos filhos como se fosse a nossa própria vida, menos estaremos preparados para vê-los crescer e conquistar independência, seja a financeira, seja a emocional. É natural e sadio orgulhar-se das conquistas e de quem os filhos se tornaram, porém, pais que dependem tão somente disso para a satisfação pessoal estarão irremediavelmente fadados a sucessivas quebras de expectativas.

Pautar a própria vida pelas medalhas, diplomas, desempenho escolar e troféus dos filhos é despedir-se aos poucos de si mesmo, é fugir ao autoconhecimento, que deve ser diário e que depende de olhar para si mesmo como alguém que pensa, age e possui vontades e anseios só seus, intransferíveis. Depositar nossos sonhos na vida de nossos filhos, para exibi-los como prêmios, é sobretudo injusto, pois lhes retira o direito de serem o que são, de respirarem o próprio viver.

Na verdade, não existem regras, manuais ou instruções que nos indiquem seguramente como criar os filhos, principalmente porque cada pessoa sente e reage de uma forma diferente ao que encontra pela frente. Não fosse assim, irmãos criados pelos mesmos pais seguiriam o mesmo caminho, fariam as mesmas escolhas, o que inclusive não ocorre nem com irmãos gêmeos.

Saber ponderar e diferenciar a orientação da imposição, o interesse da intrusão, o conselho da ordem expressa ao lidar com nossos rebentos é tarefa árdua, mas imprescindível para que consigamos vê-los se tornarem o que querem, buscando a felicidade e lutando com segurança em meio aos reveses da vida.

Tudo o que fizemos pelos nossos filhos estará sempre ali com eles, guardado para ser usado na hora certa, com a sabedoria que lhes permitimos desenvolver com nossos exemplos de vida. Inegavelmente, sempre teremos orgulho do que eles são, porque então nos veremos nos seus olhos e teremos a certeza de que jamais morreremos em suas memórias.

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar".

Share
Published by
Marcel Camargo
Tags: filhossonhos

Recent Posts

Italiano de 99 anos pede divórcio após descobrir caso de esposa em 1940

Após uma vida inteira de casamento, Antonio C., um italiano de 99 anos, decidiu tomar…

2 horas ago

Menina de 6 anos é operada e recebe pinos em perna errada na Paraíba

Uma situação angustiante abalou o Hospital de Emergência e Trauma de Campina Grande na noite…

2 horas ago

Anderson Leonardo, do Molejo, falece após luta contra câncer inguinal. Entenda a doença rara

O mundo da música brasileira está de luto com o falecimento de Anderson Leonardo, aos…

3 dias ago

Mãe e sua filha chamam a atenção por morar há três meses no McDonald’s do Leblon

Há quase três meses, a rotina incomum de duas mulheres tem chamado a atenção na…

3 dias ago

Gato usa parque aquático canino para fazer natação e emagrecer

No abrigo Vanderburgh Humane Society, em Indiana, nos Estados Unidos, uma história peculiar ganha destaque:…

4 dias ago

Linn da Quebrada anuncia pausa na carreira para tratar depressão: “É necessário parar, respirar e cuidar”

A renomada cantora e ex-participante do reality show Big Brother Brasil, Linn da Quebrada, revelou…

6 dias ago