Imagem de capa: Pressmaster, Shutterstock

Minha amiga Sheila xingava aquele homem de tudo que era nome. Confesso que anotei dois ou três palavrões pra expandir meu vocabulário. O cara havia terminado um namoro com ares de casamento no frescor de seus dois anos juntos. “Como ele faz isso comigo?”, repetia chorosa. E eu sem entender o que o moço tinha feito de errado. “A gente era feliz. Como ele pôde me deixar sozinha? Que irresponsável. Eu mudei a minha vida todinha por causa dele”, respirei fundo.

Vinha na glote? Vinha. Eu queria poder dizer que era direito legítimo do coitado desistir do contrato de ser dois, no momento que fosse, sem multa de rescisão, sem bonequinho de vodu personalizado. Mas não era aquilo que ela queria ouvir. Chega vinha no fio do lábio a vontade de dizer? Vinha. Que aquele homem tinha sido correto, corretíssimo, que ele tinha sido mais legal com ela que muita gente por aí, mas eu perderia a amiga. Preferi perder a verdade momentaneamente. Sheila ia demorar um tempo pra entender que foi inclusive corajoso da parte dele ir embora quando não se percebeu mais feliz ali. E o dobro do tempo pra sacar que ninguém é responsável pelos prejuízos emocionais da gente.

Flor, se você tiver pausado o Grey’s Anatomy pra ler isso, entenda, com todo o apreço que lhe tenho: ser adulto tem disso mesmo. É arriscado, lento e doloroso, mas eu prometo que fica mais fácil com o tempo. Eu sei que é atraente, que dá uma vontade doida de escorregar dos braços dos nossos pais, cair nos braços aquecidos de outra pessoa, e adiar-nos enquanto adultos. Como se seu peso fosse um presente, como se ele pudesse preencher a solidão do outro, como um favor, uma generosidade cínica da parte da gente. Densa você, densa, certamente. Volume e massa são diferentes também emocionalmente.

Não importa o que você fantasiou. No mundo real somos só nós carregando nossos próprios ossos, pele e medos. Por tudo o que é mais sagrado, fica combinado que a gente até se ajuda às vezes, que a gente acarinha, abraça, dá colo quando o fardo parecer imenso. Mas cada um carrega a própria bagagem nessa conexão de voos demorada que é viver. Ninguém é responsável se não nós, pelo que aceitamos, pelo que escolhemos, pelo que preferimos acreditar, pelas verdades que preferimos adiar. Ninguém é responsável se não nós mesmos, por entrar e sair elegantemente da vida dos outros carregando os nossos próprios sonhos e pagando pelos excessos da gente.

Diego Engenho Novo

Escritor, publicitário e filho da dona Betânia. Criador do blog Palavra Crônica, vive em São Paulo de onde escreve sobre relacionamentos e cotidiano.

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Diego Engenho Novo

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