Categories: Patrícia Pinheiro

As caixas de brinquedos das nossas vidas

Imagem de capa: View Apart, Shutterstock

Rubem Alves, após mastigar, ruminar e digerir Santo Agostinho, disse que possuímos duas caixas: a de ferramentas e a de brinquedos. Nossa caixa de ferramentas, segundo ele, seria aquela que abriga as coisas úteis, os instrumentos, tudo aquilo que é necessário para a sobrevivência; enquanto na caixa de brinquedos encontraríamos o empinar de uma pipa e o rodar de um peão, a leitura de um conto e uma dança de salão: inutilidades, coisas que pertencem à ordem do amor.

Ao me deparar com esta feliz metáfora, me pego refletindo sobre como temos administrado nossas caixas. Consigo pensar em várias pessoas do meu convívio que, por excesso de obrigações – que a sobrevivência impõe ou que elas mesmas criam -, devem estar com suas caixas de brinquedo empoeiradas pelo abandono.

Focados na concretização de objetivos diários, sejam eles maiores, como passar em uma prova, ou menores, como a garantia da limpeza corporal, recorremos, constantemente, a leituras técnicas e sabonetes, e negligenciamos – ou brincamos com eles acompanhados de culpa – os brinquedos que nos presenteiam com o prazer singular que reside nas coisas que não são meios, mas amadas por si só.

Tempos atrás, indiquei a um amigo um seriado do qual gostava muito e ele confessou que preferia não começar a assistir pois poderia se interessar e aquilo seria perda de tempo, não o levaria a lugar nenhum. Já eu, vez ou outra, faço questão de não ir a lugar nenhum: sento no chão e esparramo os brinquedos da minha caixa, afinal, como disse Rubem Alves, “quem está brincando já chegou”.

Ainda que a felicidade também more na caixa de ferramentas e, com um punhado de sorte e escolhas bem feitas, a inutilidade daquilo que fazemos apenas por prazer possa se transformar em instrumento, acredito que, em um mundo que gira em torno do “útil’, que supervaloriza agendas lotadas de afazeres, é importante que possamos preservar aquilo que não nos dá nada além de descanso.

Patrícia Pinheiro

Gaúcha e estudante de Psicologia. É escritora e revisora de textos na Sociedade Racionalista, colunista do CONTI outra, artes e afins, Fãs da Psicanálise, Inspiring Life e escreve, ainda, para o Blogueiras Feministas; Brasil Post; Benfazeja; Psiconline Brasil e Puta Letra. É feminista, apaixonada por moda e assumidamente viciada em filmes e séries. Ainda irá viver da escrita.

Share
Published by
Patrícia Pinheiro

Recent Posts

Norte-americano viraliza ao descrever seu primeiro beijo com brasileira: “Eu fiquei chocado”

O influencer norte-americano Joshua Canup tem causado alvoroço nas redes sociais com um relato inusitado…

11 horas ago

Anitta é confirmada para participar do show de Madonna em Copacabana

"Anitta irá participar do aguardado show de Madonna na Praia de Copacabana, no Rio de…

11 horas ago

Escola não vai expulsar autoras de ofensas racistas contra filha de Samara Felippo: “Não acho que a gente errou”

A decisão da escola Vera Cruz, em São Paulo, de suspender, em vez de expulsar,…

2 dias ago

Priscila Fantin, a eterna Serena de ‘Alma Gêmea’, revela batalha contra depressão: “Medo do mundo”

A trajetória de Priscila Fantin, conhecida pelo público como a doce Serena da novela "Alma…

2 dias ago

Roteirista de Os Simpsons revela como eles são capazes de prever eventos do futuro

Ao longo das décadas, "Os Simpsons" conquistaram fama não apenas por sua comédia afiada, mas…

3 dias ago

Jovem do Maranhão se torna a primeira promotora quilombola do Brasil: “É por meus ancestrais”

Na luta pela igualdade de oportunidades e representatividade, Karoline Bezerra Maia alcança um marco histórico…

3 dias ago