Eu não quero ser o enchimento se o vazio é todo seu

Eu não quero ser a substituta dos seus sonhos perdidos, a adivinha dos seus vales proibidos, a mãe que preenche com amor e carinho os teus vazios existenciais.

Eu não quero ser a que traz sentido para a sua vida, a professora que pega na sua mão e te ensina a colorir os dias. Eu não quero ser o travesseiro confortável onde você pode deitar e finalmente descansar o peso das coisas que você ainda não conquistou.

Eu não quero ser a sua metade, algo que te completa, que você não pode viver sem. Porque eu quero a multiplicidade de dois universos se encontrando.

Eu não quero ser a boia para os seus constantes momentos de afogamento. Eu não quero ser a ativista, a idealista, a apaixonada pela causa de conseguir gerar luz em seus olhos. Eu não quero me vangloriar por milagres tão difíceis de achar.

Eu não quero mais segurar nas minhas mãos essa marreta de destruir pedras cristalizadas em volta dos corações. Eu não quero ser a médica especialista em desfibrilador. Eu não quero massagear o seu ego, e destruí-lo é um risco e um caminho longo, eu já me acompanho nisso, não quero acompanhar você também.

Eu não quero atrasar meus horizontes só pelo orgulho de ver aonde você poderia chegar se decidisse se abrir e eu decidisse ficar. Eu não quero me desgastar para tentar te fortalecer. Eu não posso adotar mendigos viciados em se suprir da energia alheia.

Eu não quero ser o curativo para a sua falta de cuidado consigo mesmo, a muleta amparando os seus medos de voo, o chá de camomila aliviando as suas noites sem sono.

Eu não posso ser o falso alívio para o seu caminho evolutivo.
Eu não quero estar acessível toda vez que você não souber o que fazer consigo mesmo. Eu não posso vestir suas pernas, te insuflar sonhos, te resgatar da cegueira, te pegar no colo.

Eu não posso passar a mão na sua cabeça e fingir que a vida é assim, que eu estarei sempre aqui. Eu não posso te estragar, me atrasar, eu não posso ficar.

Eu não quero que a minha vida seja a missão de fazer a sua vida melhor. Eu não quero ter a responsabilidade de ser a sua felicidade.

Simplesmente porque eu não sou.



LIVRO NOVO



Clara Baccarin escreve poemas, prosas, letras de música, pensamentos e listas de supermercado. Apaixonada por arte, viagens e natureza, já morou em 3 países, hoje mora num pedaço de mato. Já foi professora, baby-sitter, garçonete, secretária, empresária... Hoje não desgruda mais das letras que são sua sina desde quando se conhece por gente. Formada em Letras, com mestrado em Estudos Literários, tem três livros publicados: o romance ‘Castelos Tropicais’, a coletânea de poemas ‘Instruções para Lavar a Alma’, e o livro de crônicas ‘Vibração e Descompasso’. Além disso, 13 de seus poemas foram musicados e estão no CD – ‘Lavar a Alma’.

2 COMENTÁRIOS

  1. esse texto narra uma sinceridade absurda e profunda, que liberta os lados. Quebra com a vitimização do dominador e com o heroismo de quem tem baixa auto estima. Pena que tamanha sinceridade é raro de encontrar numa relação permeada de sentimentos e emoções que cobrem a razão e toma conta das emoções

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