Categories: Jocê Rodrigues

Sou do tipo que ainda acredita que ação diz mais que expressão – sobretudo a facial.

Os olhos são as janelas da alma, dizem. Nesse caso, devo ser algum tipo de cego funcional. A maioria de nós é, mas romantiza, finge enxergar o que no fundo é só pupila e íris. Sou do tipo que ainda acredita que ação diz mais que expressão – sobretudo a facial.

O amor é um fenômeno fisicamente involuntário. Mãos suam frio, pernas tremem, estômagos reviram, línguas prolixas paralisam, cabeças rodopiam. É surpresa, choque, balanço significativo em nossas estruturas mais sólidas. Não é o olhar que diz “eu te amo”, é todo corpo, cada pedaço dele, do maior ao menor.

Mais valem mãos que agarram, bocas que beijam, corpos que se tocam. O olhar é mensageiro. Pode anunciar intenções, enviar sinais sutis, mas é o modo como agimos que conta de verdade. As ações dizem realmente quem somos, para o bem ou para o mal.

Não existem segredos nos olhos. O segredo está em quem olha, em quem é por eles olhado.

Pouco importa se é por abrir mão de uma noite com os amigos para ficar em casa assistindo a um filme com Ryan Gosling ou por, de livre e espontânea vontade, assumir a infame missão de apagar a luz antes de irem dormir. Na grandeza dos gestos pequenos repousa o cuidado essencial. Aquele que nada exige além de entrega sincera, de abertura para ser cuidado e para cuidar.

E daí que os anos passam, a vida muda e o mundo gira? Gestos ficam, marcam profundamente. É com eles que deixamos nossas pegadas na vida (na nossa e nas vidas de outras pessoas), é com eles que construímos uma história. Só os covardes culpam o tempo.

Agir não é apenas falar que sentiu saudades, mas abraçar como quem sente saudade. É também demonstrar com a ponta dos dedos enquanto faz cafuné; é tornar a memória presente ao se lembrar de como exatamente a outra pessoa gosta de um prato ou drinque enquanto o prepara.

Não é preciso fogos de artifício. Não é preciso carros de mensagens espalhafatosos. Só é preciso estar presente, se fazer presente pelos gestos.
Não basta olhar. É preciso fazer-se letreiro e dizer com o próprio corpo “eu estou aqui. Eu estou aqui por você!”.

O inerte põe nos olhos a culpa da sua imobilidade, dizendo que eles bastam para manifestar suas intenções, enquanto quem age constrói um abrigo seguro para o seu coração.
“O essencial é invisível aos olhos”, escreveu Saint-Exupéry. Clichê? Sim. Verdade? Também.

Jocê Rodrigues

"É escritor e editor".

Share
Published by
Jocê Rodrigues
Tags: ação

Recent Posts

Norte-americano viraliza ao descrever seu primeiro beijo com brasileira: “Eu fiquei chocado”

O influencer norte-americano Joshua Canup tem causado alvoroço nas redes sociais com um relato inusitado…

22 horas ago

Anitta é confirmada para participar do show de Madonna em Copacabana

"Anitta irá participar do aguardado show de Madonna na Praia de Copacabana, no Rio de…

22 horas ago

Escola não vai expulsar autoras de ofensas racistas contra filha de Samara Felippo: “Não acho que a gente errou”

A decisão da escola Vera Cruz, em São Paulo, de suspender, em vez de expulsar,…

2 dias ago

Priscila Fantin, a eterna Serena de ‘Alma Gêmea’, revela batalha contra depressão: “Medo do mundo”

A trajetória de Priscila Fantin, conhecida pelo público como a doce Serena da novela "Alma…

2 dias ago

Roteirista de Os Simpsons revela como eles são capazes de prever eventos do futuro

Ao longo das décadas, "Os Simpsons" conquistaram fama não apenas por sua comédia afiada, mas…

3 dias ago

Jovem do Maranhão se torna a primeira promotora quilombola do Brasil: “É por meus ancestrais”

Na luta pela igualdade de oportunidades e representatividade, Karoline Bezerra Maia alcança um marco histórico…

3 dias ago