Fabíola Simões

“O problema não é crescer, mas esquecer…”

Tomei a frase-título emprestada do filme “O Pequeno Príncipe” _ a nova animação, dirigida por Mark Osbourne faz uma emocionante releitura do clássico de Saint-Exupéry e nos abraça com a história de amizade entre o aviador e uma menina, pra quem ele conta a história do principezinho, repleta de ensinamentos em forma de poesia.

É para a menina que o aviador fala: “O problema não é crescer, mas esquecer”. E entendemos que ele tem razão, ao constatarmos que o amadurecimento impõe despedidas, e nesse processo muitas vezes esquecemos quem fomos e os vínculos que construímos no decorrer do caminho. Como o principezinho, cativamos e fomos cativados ao longo da vida, mas muitas vezes preferimos esquecer para poder crescer.

No último fim de semana, comemorando o aniversário de quarenta anos do meu irmão, me comovi diante do painel que reunia mais de trezentas fotos de sua vida, do momento do nascimento, passando pela infância e adolescência (em que fomos muito mais que irmãos), e finalmente chegando à vida adulta, celebrada em fotos com sua esposa e os dois filhos. Embalados pelo clima de nostalgia da festa _ muitos parentes e amigos de longa data estavam presentes _ recordei histórias antigas, elos fortes que construímos nos primeiros anos, e nos abraçamos num gesto emocionado.

Fazia tempo que não me permitia estar assim. Fazia tempo que não era para meu irmão a irmã que um dia eu fui. Fazia tempo que eu não me lembrava.

Recordar certas histórias nos traz de volta. Aproxima e aquece. Não permite que fragmentos do que fomos se percam pelo caminho nem fiquem renegados a um canto abandonado de nossa existência.

E vamos descobrindo que precisamos nos despedir para crescer, mas nunca nos esquecer daquilo que um dia fez parte do que fomos, a matéria prima de tudo o que nos tornamos.

Recordar nossos amigos, nossa família-base, nossos afetos e tudo o que envolveu esses encontros é aprender a conciliar dois mundos _ o presente e o passado_ e fazer deles uma construção nova, que nos torna pessoas melhores e mais afetuosas.

Dizem que não devemos mexer em certas dores. Mas é remexendo antigos baús que podemos esclarecer e decodificar o presente de uma forma mais amorosa com nós mesmos.

Meu irmão e eu crescemos, e nosso distanciamento natural, provocado pelas novas famílias que formamos, foi momentaneamente quebrado naquela tarde de seu aniversário. Naquele momento, comovida pelo mural de fotos, lembrei do tempo em que éramos crianças, e quebramos o gelo com nossa lembrança. Com a possibilidade de resgatar quem fomos agarrando-nos às nossas memórias.

“O problema não é crescer, mas esquecer”. Que a gente aprenda a buscar nossa afetividade no presente, mas também no tempo que deixamos pra trás. Que possamos nos lembrar de como era bom ter amigos no portão e ouvir a mãe chamando pro jantar. Que recordemos antigos aromas, como o da chuva numa tarde de maio e do bolo com café numa reunião de família. Que não esqueçamos antigos sons, como a voz da avó cantando “Se alguém te convidar pra tomar banho em Paquetá, pra piquenique na Barra da Tijuca ou pra fazer um programa no Joá…”  e os irmãos torcendo pro time campeão. E que, inesperadamente, possamos resgatar essas lembranças e nos comover como há tempos não fazíamos. E descobrir, finalmente, que não estamos sozinhos. Ao contrário, nossos dias estão povoados com aquilo que deixamos, com o que partiu, com o que aparentemente não existe mais…

*Imagens: Reprodução via google

Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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  • Que esta Festa de Aniversário de seu irmão seja inesquecível, mesmo!!! Lindo texto!!! Parabéns!!! CRESCER É UMA DÁDIVA, MAS ESQUECER É UM CRIME, no entanto, muitas vezes, seria preferível esquecer!... Mas, falando de coisas boas, quem ama está sempre procurando preencher falhas/vazios do presente com memórias... Sou assim, sofro um pouco, principalmente, quando revejo fotos daqueles que não estão mais entre nós (minha mãe; meus avós, meu cachorrinho...); mas, no final o que fica é o que cada um deixou de si; procuro aproveitar as recordações daqueles que, realmente, fizeram/fazem valer a pena viver!!! Foi no Facebook que li seu texto e é, exatamente, o Facebook, tão criticado por muitos, que fez com que reaparecessem em minha vida amigos "sumidos", mas, nunca esquecidos; "amigos" sumidos, que por onde estavam deveriam ter ficado; amigos sumidos, que mesmo estando adicionados continuam sumidos!... CRESCER E ESQUECER É PERDER A IDENTIDADE!... Sucesso no seu Blog! A propósito, adorei a frase que você gosta: “Estou nas palavras, mas estou, sobretudo, nas entrelinhas...” Bem EU, também! Abraço.

  • E lendo esse texto, e passando um filme na minha cabeça, um filme do passado, do presente e do futuro e as lagrimas não se conteram. Me deu Saudades de tanta coisa. Lindo texto, obrigada.

  • Fabíola, que lindo! Amei, sabia que sua perspectiva seria de grande valia! "O problema não é crescer, mas esquecer". Realmente, concordo com essa visão. Reporto-me a um exercício que comecei a fazer, desde meados de 2014, quando estava caminhando para o fim da Residência, quando conscientemente vi que talvez não valesse a pena permanecer no caminho que estava trilhando. Não sei onde li, mas vi que seria importante entrar em contato com a criança interior e ver se ela estava feliz com as escolhas feitas na vida até aquele momento. Com base nas respostas, tenho tentado redirecionar a vida, guiado pela intuição e por também perceber que "o essencial é invisível aos olhos". Na nossa cultura, "ter" está mais valorizado que "ser", daí o mundo tende a ficar confuso e desagradável, pois na escala de evolução da humanidade, milhares de anos, 80, 90 anos que ficamos no planeta é um tempo irrisório, então o objetivo maior talvez seja não perder essa inocência, essa candura, característica das crianças, e assim seguir amando e se aprimorando internamente. Nunca podemos esquecer a nossa criança interior, esse diálogo é importante, para trabalhar os aspectos sombrios da nossa personalidade e crescer, sempre crescer! Obrigado por mais essa valiosa lição, seu blog mora no meu coração, é um conforto e sempre mentalizo grandes realizações, aprendizado e felicidade à sua vida. Muito obrigado!!!! Edson (nursedson@yahoo.com)

  • Seus textos são fantásticos, Fabíola. Tocam no fundo da alma. Me trazem alento e motivação toda manhã, qdo abro seu blog a procura de novos tesouros. Obrigada, por compartilhar esse dom fantástico com milhares de pessoas. :)

  • Realmente, Fabíola, o problema é esquecer em todos os sentidos.
    Obrigada por seu texto tão propício para meu momento, que seja sempre abençoada, abraços carinhosos
    Maria Teresa

  • Olá Uilmara, bem vinda! Adorei seu comentário, e realmente o facebook tem seu lado positivo, que é reaproximar quem está longe! Que possamos lembrar destes amigos e também de quem já se foi, como vc falou. Obrigada pela leitura e por comentar! Bjs!!!

  • Riquíssimas suas reflexões, Fabiola! Incrível como O Pequeno Principe é capaz de nos falar todas as vezes que a ele nos recorremos! Não conto as vezes que já fiz isso durante a minha vida! Equanto assistia o filme, nossa foram tantas situações que me veio à cabeça!:
    Reflexões sobre fatos cotidianos ali tão bem evidenciados;
    O estar com minha filha em mais um episódio envolvendo O Pequeno Principe ( Primeiro livro que li para ela sentada em meu colo e um capitulo por dia. Hoje, na maioria das vezes, é ela quem me sugere boas leituras);
    A lembrança de conversas com pessoas queridas sobre a simplicidade que as coisas precisam para de fato serem importantes;
    E claro, que isso envolve o fato de nunca perdermos nossa criança de vista. Como bem mostra a releitura feita no filme, ela tende a ser adormecida pelas dificuldades que passamos até cair num estado letargico. Por isso é importante termos por perto pessoas ou situações capazes de nos provocar o desadormecer...
    Incrivel o que esse filme pode nos provocar!
    Parabéns pela significativa postagem, por ter se permitido a esse lindo momento com seu irmão e por essas incríveis reflexões que nos trouxe!
    http://diariodeletramento.blogspot.com.br/

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