Laranja madura, na beira da estrada…

Faço o tipo desconfiado. Minha mãe conta que desde a época do carrinho de bebê não sou de rir pra qualquer um, e só relaxo quando confio de verdade.

É claro que ao longo da vida a gente se confunde um pouco. Pode cair na armadilha da “laranja madura” bichada ou até desconfia demais quando daria pra soltar o freio de mão um tanto mais.

Ontem à noite estava em casa, zapeando os canais a cabo, até começar a assistir ao filme “Amor por contrato”, que inicialmente achei meio bobinho, mas de repente chamou minha atenção por tratar um tema que merece reflexão.

O filme conta a história de uma família americana “perfeita”, que  tenta vender seu estilo de vida (perfeito) à sociedade a sua volta. Porém, aos poucos vamos percebendo que essa perfeição é forjada, pois a família perfeita é falsa. Na verdade tratam-se de “vendedores” disfarçados de “pai, mãe, filho, filha” tentando vender a matéria prima da felicidade (leia-se: beleza, riqueza, afeto_ ainda que ilusórios) que exalam.

A família perfeita não vende produtos, mas estimula os vizinhos a desejarem aquilo que possuem ( e que aparentemente lhes dá o status de “felizes”).

Assim, todas as vizinhas se inspiram em Kate, (a “mãe”), ao se alimentarem, vestirem ou frequentarem um lugar.

Do mesmo modo, o falso pai ( Steve) vende a ideia do que é ser bem sucedido tanto em posses (carrão, mansão, objetos de valor) quanto sexualmente, já que espalha aos quatro ventos sua ótima performance sexual e amorosa, além de posar como o marido que todas gostariam de ter. Como era de se esperar, encontra um vizinho que o inveja e deseja ser como ele.

Enquanto o pobre vizinho se endivida cada vez mais tentando superar Steve, se frustra na mesma proporção por jamais conseguir se comparar.

Na verdade, o que o filme pretende mostrar e mostra com muita sátira, é essa terrível ilusão que temos de que a grama do vizinho é mais verde que a nossa. Quanto mais consumimos, mais acreditamos que precisamos consumir para nos enquadrarmos, sermos aceitos, termos sucesso. Enquanto almejamos o estilo de vida baseado em status, só colecionamos frustrações.

Acredito mais em felicidade sem moeda de troca, que se arrisca sem culpa, tolera erros e ensina o perdão. Em felicidade de areia da praia sentida na pele, sem canga ou afetações; em sanduíche de boteco mordido com vontade, deixando a maionese formar um bigodinho de gordura; em barulho de galo chamando pro café fresquinho da fazenda; em criança com dedo sujo no sofá; em casa menos asséptíca e mais barulhenta; em letras que aprenderam a ser cursivas recentemente, dizendo “eu te amo” na porta da geladeira. Acredito em felicidade de passeio de bicicleta sem intenção de ser exercício; em banho de mar sem não-me -toques; em relações construídas com tolerância e parceria.

Felicidade de alegria de circo no coração da gente quando nasce um filho, forma-se na faculdade, entra na igreja de braço dado com o pai ou simplesmente descobre o que lhe faz feliz, assim, consigo mesmo.

Minha laranja madura não fica na beira da estrada, e espero não servir de vitrine pra quem quer que seja. Minha laranja madura é servida aos gomos, inteiros e suculentos, aos que partilham dela e se lambuzam _ verdadeiramente.

Não há contrato no mundo que pague por aquilo que só você sabe _ e sente_ que tem valor.

Aquilo pelo qual não dariam um centavo, mas é um milagre em sua vida.

Em tempo: O título (“Laranja madura, na beira da estrada”) é referência à letra da música de Ataulfo Alves, que descobri hoje num CD (ótimo!) do “Demônios da Garoa”. Vim escutando no carro, no trajeto entre minha casa e o trabalho. A melodia é contagiante, e encheu meu carro de alegria enquanto esquecia o caos do trânsito. Fica aqui um pedacinho da letra_curiosa_que inspirou esse texto:

“Laranja madura, na beira da estrada/ Tá bichada Zé, ou tem marimbondo no pé…”



LIVRO NOVO



Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

1 COMENTÁRIO

  1. Fabíola, temos coisas em comum, também nasci no Sul de Minas, mudei-me criança para Vinhedo e já morei em Campinas. Voltei para Vinhedo onde moro ainda procurando justamente aquelas coisinhas simples mas que nos faz tão bem: ter quintal, estar perto do verde, encontrar amigos de infância pelas ruas. Aliás hoje estava vendo minhas paredes sujas e pensando que precisamos pintar a casa, mas tem uma coluna toda cheia de marcas de dedos do filho, cada marca é um gol do SPFC. Pensei comigo: será que pintamos ou mantemos já que faz parte da história da família? Tudo isso para dizer que identifiquei-me com você e com seu texto. Um abraço.

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