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A mamãe é meu remédio

Ontem cheguei em casa e você esperava por mim; a vovó me contou que você disse “A mamãe é meu remédio” e nos abraçamos em silêncio até a febre passar. Por trás de seus olhinhos abatidos senti a sinceridade de suas palavras, e o calor de suas mãos presenteou meu pescoço. Se o céu existe, ele cabia no conforto daquele abraço. Essa sensação dormiu comigo mesmo sendo dia dos namorados e você lutando contra uma virose. Desde que me descobri mãe todos os papéis ficaram em segundo plano, mas como não me sentir recompensada depois de ouvir uma frase dessas? Sei que vou guardá-la por muito tempo, talvez por toda a vida, e me agarrar à sua poesia quando você crescer e for um homem feito, cheio de preocupações e responsabilidades.

Porque você ainda é um menino de seis anos e eu ainda posso ser o seu remédio, mas a vida vai lhe mostrar que não sou perfeita, que tenho falhas, desvios e manias, que não possuo varinha de condão nem respostas pra tudo, que a dipirona tem propriedades maiores que minha presença, que não sou digna de ser seu espelho porque meus erros serão fatalmente identificados por você no futuro para que não os repita com seus próprios filhos.

Mas não tem importância, hoje trato de aproveitar cada segundo ao seu lado, gravando na pele a sensação de seu corpo arredondado, sua risada farta e barulhenta, o toque de suas mãozinhas no meu cabelo_ que você insiste em arrumar num rabo de cavalo lateral_ ,seu cheiro principalmente quando corre e fica com o cabelinho suado, sua respiração profunda quando adormece. Essas são minhas relíquias, tesouros escondidos numa porção extensa do coração, consolo para os dias ruins e saudades futuras.

Nunca mais fui a mesma depois que te conheci. Antes pulava de paraquedas, hoje deduzo os riscos do carrinho de bate bate. Tinha as unhas feitas, ultrapassava os carros pela direita e ia ao shopping pensando só em mim. Achava que sabia o que Cazuza cantava nos versos “Ser teu pão, ser tua comida, todo amor que houver nessa vida…” mas só depois de amamentá-lo por dez meses pude entender acerca de amor incondicional e saber ser o sustento de alguém.

Ainda que a vida e o amadurecimento nos afaste, ainda que perceba que somos diferentes ou incompatíveis, que diga que exagerei na dose nisso ou aquilo, que não precisava ter sido tão severa ou tão melosa, ainda que me acuse por seus traumas, fantasmas e medos, mesmo assim serei grata a Deus pelo meu maior presente, pois você despertou algo em mim que eu desconhecia. Justamente quando achava que tinha controle sobre tudo, você veio para me dizer que não controlo nada. Quando acreditava que já tinha amado demais, você me faz sentir uma aprendiz em matéria de amor.

Quando minha casa se tornou modelo de perfeição e assepsia você invadiu mudando tudo de lugar, sujando as paredes e estofados com seus dedinhos melados, restos de pipoca e confetes coloridos; agregando aos ambientes cadeirões, cercadinhos, bicicletas e skate. Quando achei que era capaz de racionalizar tudo, você me fez adquirir o sexto sentido, ser mais intuitiva e capaz de expressões como “coração de mãe sente…”

Não há motivo para se lembrar das birras, refluxo, cólicas, noites em claro, viroses dilacerantes. De todos os trabalhos, você tem sido o melhor “ofício” e pelo qual sou mais bem remunerada. Não tem preço a alegria estampada nos olhinhos que brilham quando meu carro estaciona na garagem, o abraço forte que por vezes me tira o chão, as perguntas inteligentes e constrangedoras, os comentários engraçados, a forma pausada com que começa a fazer suas primeiras leituras, as festinhas na escola em que seu olhar procura aflitivamente por minha presença e se alivia ao me encontrar. Você trouxe alegria para nossa casa, como você mesmo diz. Alegria no barulho, nos carrinhos espalhados pelo tapete, nos desenhos colados nas paredes e geladeira, nos DVDs perdidos pela estante. Trouxe movimentação, inseguranças, busca de conhecimento; nos fez ler livros especializados_ “O que esperar quando você está esperando”, “Nana neném”, “limites sem traumas”, “quem ama educa”_ e mais uma porção de títulos, nos tornando quase especialistas no assunto. Mas sem cartilha ou manual descobrimos o ser único que você é, com suas próprias regras e necessidades.

Olhar para você é descobrir que o que é bom para meu ego certamente não é bom pra você. Quantas vezes você me mostrou que não é preciso impressionar ninguém, que sua hora é só sua, que quando você aprende a amarrar os sapatos, andar de bicicleta sem rodinhas ou cantar afinado posso me orgulhar mas não preciso te exibir para satisfazer minhas necessidades de aprovação e egocentrismo.

Espero que na jornada da vida você venha beber da fonte onde tudo começou. Que encontre em mim seu vínculo com a infância e tudo o que ela representa; o refúgio onde poderá se mostrar imaturo, brincalhão ou muito resmungão, independente da idade que tiver. Acima de tudo, estarei atenta para que jamais perca a ligação com o menino que existiu aí dentro. O menino que brincava, corria, colecionava sonhos. O menino que me abraçava e dizia: “A mamãe é meu remédio”.

Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

View Comments

  • Fabíola, parabéns por presentear com textos plenos de sensibilidade e ternura todos aqueles que acompanham o seu blog.

    Um tanto por acaso li um comentário seu certa ocasião com o qual me identifiquei tanto que, a partir de então, tenho esse espaço adorável gravado entre os meus favoritos.

    Creio que outros tantos leitores tenham sido igualmente cativados por ser- nesses tempos em que velocidade e superficialidade exarcebadas são a tônica - cada vez mais acolhedor quando se encontra (ainda que no mundo virtual) um lugar onde valores e pontos de vista semelhantes aos nossos próprios ganham voz.

    Te agradeço por compartilhar!
    Felicidades e alegrias na sua vida... sempre.

  • Rafaela:

    Seu comentário me encheu de alegria pois o blog ainda é recente e eu não tinha muita noção da resposta das pessoas (além da opinião dos meus pais, é claro...). Você escreve muito bem, tem um blog tb? Quem sabe não se anime a começar um... Obrigada pelas palavras, fico feliz que tenha se identificado.
    Um abraço,
    Fabíola

  • Fabíola,
    Vi seu comentário no blog da Ana e resolvi conhecer e AMEI!
    Adorei esse texto, me identifiquei completamente porque tenho um menino de 9 e uma de 7 e me sinto exatamente como você. Vou adicioná-la aos meus favoritos e estarei sempre por aqui para compartilharmos experiências!
    Um grande abraço,
    Lu

  • Oi Lu! Obrigada por me visitar e pelo recadinho carinhoso. Espero que apareça sempre e vamos trocando idéias e experiências! O blog é bem recente, mas tenho tentado mantê-lo sempre atualizado, com novidades! Esse texto relata o que aconteceu mesmo, uma virose aguda no dia dos namorados... só quem é mãe entende o quanto vale a pena TUDO, né?
    Beijos,
    Fabíola

  • Revivi com suas palavras momentos memoráveis ao lado da minha Mãe. Lembrei-me de como ela também fora o remédio em meus dias febris, tristes e sombrios. Lindas letras traduzidas em sentimentos ímpares. Nostalgia. Sensibilidade. Graciosidade. Quase um refrigério. Adorei! Indico.

  • Obrigada Keo! Se consegui tocar o coração das pessoas sinto que meu "trabalho" aqui no blog tá valendo a pena... Volte sempre!
    Um abraço,Fabíola

  • Que belo texto! Parabéns! Cheguei ao seu blog por causa de um comentário seu num post do Mulher 4x4, e amei! Tenho 2 meninos, então, nem preciso dizer que rolou uma identificação, né? Abração

  • Obrigada Rosa, que bom que gostou e se identificou! Espero que apareça mais por aqui!
    Um abraço,
    Fabíola

  • amei o texto, chorei muito,,, me identifiquei muito agora com a frase mamãe e meu remédio... a 2 meses luto com a minha pequena de 2 anos com uma doença e que não sabíamos o que era... e todo os 7 médicos consultados diziam que era so uma infecção e dale antibiótico... e nada resolvia 2 meses de febre alta dia sim dia não...ate q uma noite em uma das piores crises de febre, falta de ar, tosse. passei a noite toda com ela no colo, dizendo que a amanha a mamae ia dar um jeito nisso,e ela dizia ta bom mamae, larguei tudo por 15 dias so pra cuidar dela... gastei horrores com medico particular exames pra descobrir q era uma bronco pneumunia. por conta de uma infecção de garganta q não curou direito... hoje ela teve alta total, pode voltar pra escolinha,apesar do tratamento continuar por mais 4 meses.... e com o maior orgulho que digo o que a medica me disse.... "mamãe sua pequena esta praticamente 100 por conta do seu carinho e dedicação " acordar 4 vezes de madruga pra dar remedio e ver se esta tudo bem não é pra qualquer um rsrsrrsrs... desculpa o pequeno desabafo.... mas adoreiii expressou tudo

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