Amor, o poema mais curto e mais longo do mundo
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Por Cristina Souza

O avião vai pousar. Ainda estou suspenso no ar, a voz robótica me diz para apertar os cintos. Aos poucos, a distância entre o céu e a terra vai diminuindo. Alguém olha pela janela, com os olhos vagos, alguém finca a mão no banco com mais força. Sinto-me seguro, mas ao mesmo tempo aflito: estou em algum lugar entre a suavidade do voo e o baque do solo. Isso é amor.

O pano protege para que a mão não queime. Cuidadosamente, a água é despejada. O seco do pó vai se misturando com o calor da água, e dessa junção, aquele cheiro maravilhoso que preenche a casa. A fumaça faz lindos desenhos no contraste da luz do final de tarde que espio pela janela. A sala ecoa risadas ao fundo, e em algum momento ouço: Que cheiro maravilhoso de café. Sorrio. Isso é amor.

Somem os ruídos da minha volta. O único barulho que escuto é do batuque engraçado do seu coração em uma quase sintonia com o meu. Os odores de poeira, gasolina e tinta somem, dando lugar ao misto de pele e perfume da sua nuca. Nada mais importa. A temperatura não importa, o tempo não importa – tempo na verdade nem faz sentido e eu me sinto infinito dentro do seu abraço. Isso é amor.

Abro os olhos devagar, dividido entre a preguiça de levantar e certeza de que tenho muita coisa para fazer. Ainda de olhos fechados, presto atenção aos sons: Quando há muito silêncio e não há chuva, consigo ouvir o barulho que vem do mar. Ainda de olhos fechados, sorrio ao perceber a claridade de mais um dia de Sol. Espio o céu azul e as sombras engraçadas que a luz solar desenha em minhas paredes. Me sinto azul também. Isso é amor.

Deixo o cheiro de sal invadir minhas narinas. O vento carrega meu cabelo, alguma areia se espalha pela roupa, tudo bem, tudo bem. Olho a imensidão sem fim e percebo como os barcos ficam pequenininhos de longe, mas me lembro que algumas coisas não diminuem com a distância. Molho os pés, as mãos, a nuca – de olhos fechados lembro-me de nós sentados em sua sala, que está em algum lugar do outro lado dessa imensidão toda. Mergulho no mar, mergulho na saudade. Isso é amor.

Atravesso mais uma vez a ponte em direção à Ilha. Enquanto o carro vai ganhando velocidade, percebo os outros passageiros observando o cartão postal da cidade. Lindo, é claro. Mas eu olho para o outro lado: Enquanto a esmagadora maioria contempla a construção do homem rabiscando a natureza, eu a observo pura e simples, sem adornos. Desse lado pouco explorado, podemos ver o ponto mais alto da cidade. Mas quase ninguém sabe disso, pois olham para o óbvio. Eu não. Isso é amor.

Amor. Quatro letras e uma infinidade de definições.

Amor. Muito mais amplo do que um simples verbete do dicionário, não cabe em classificações, é singular. Há diversas formas de sentir o amor, há diversas formas de amar, o que não significa que uma é melhor que a outra, que a sua é amor e a do outro não.

Amor – poesia que não tem rima, nem estrofe – talvez o poema mais curto e mais longo do mundo. Palavra mais leve e mais densa, uma certeza incerta, um doce que por vezes é amargo. Amor é verbo forte. Amor é par. Amor é ímpar. É companhia e é solidão. Parem de ficar classificando, julgando, evitando. Percebam. Amor é verbo conjugado no ‘sentir’.

Onde você sentiu amor hoje?

Para ler mais da autora acesse Obvious – Coffee is my boyfriend / Blog pessoal



LIVRO NOVO



Blog oficial da escritora Fabíola Simões que, em 2015, publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos Afetos".

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