Um amor sob medida

Aos poucos, bem aos poucos, a gente vai entendendo o que nos cabe. Independente da ditadura da moda, vamos descobrindo nosso estilo: clássica, hippie, ousada, desencanada. E vamos conhecendo o corpo que temos, aceitando aquilo que nos foi reservado.
Mas antes disso erramos muito, erramos feio. Quem nunca se deparou com uma foto antiga, e sorriu ao perceber a inadequação? Eu mesma posso lembrar as vezes em que arrisquei um modelo “tomara que caia” num corpo desprovido de estrutura, e mais parecia um menino usando a roupa da irmã num desfile de carnaval.Uma roupa que cai bem é como uma relacionamento que dá certo. As peças combinam, há correspondência mútua, existe reciprocidade.

O contrário, porém, é o desencaixe. A calça não entra, fica parada no meio da coxa e a gente dá uns pulinhos pra ver se ela sobe. A danada sobe um pouquinho, o zíper esgarça para baixo e deitamos na cama para tentar um pouco mais. Ela finalmente entra, o botão belisca a pele para fechar, as gordurinhas pulam para fora na altura do cós. Está evidente que a calça não nos cabe, que não aceita o corpo que a habita, que quer ser feliz em outro canto. Mas a gente insiste, faz a coitada caber na marra, até estraga o tecido em nome desse enlace desastroso. Assim também num relacionamento sem reciprocidade.

É aos poucos que a gente aprende a amar direito. E a dar valor àquilo que nos foi reservado. Sem olhar para os lados e desejar o jeans skinny que não entra em nosso corpo robusto, mas aceitando a pantalona larguinha que valoriza nosso charme exclusivo.

Nem sempre a gente enxerga o amor onde existe reciprocidade. E preferimos ciscar em terreiros que não nos aceitam por completo a nos assumirmos merecedores de um amor real e possível. Quantas vezes recusamos a atenção verdadeira em nome de uma ilusão passageira?

Chega uma hora em que temos que amadurecer. E junto amadurecer nossas expectativas em relação ao amor. Descobrindo que amor sob medida é amor sem medida _ correspondido, revidado, validado, mútuo, recíproco. Amor que fica porque quer ficar, que doa porque quer se doar, que se expressa porque quer se expressar. Amor que não precisa de três pulinhos pra entrar nem de bojo pra ficar.

Só o tempo mostra o que deve permanecer de fato. As mãos que se entrelaçam por vontade, o aceno diário no portão, as últimas chamadas no celular, a mensagem respondida com atenção, o olhar que denuncia a importância, o gesto que confirma a relevância, o “querer estar preso por vontade”, a falta doída da saudade.

E descobrimos que amor bom é amor recíproco. Um amor sob medida que é do nosso tamanho, e nos cabe enfim. E paramos de sonhar de olhos abertos, desejando quem não nos deseja, almejando o que não é possível alcançar, tendo esperanças em migalhas que jamais irão se concretizar.

Aprendemos enfim que prestar atenção é de grande valia para os assuntos do coração. E que reconhecer o amor só se aprende com o tempo. Dando o devido merecimento ao que deve ser reverenciado, e deixando de lado o que não nos serve de bom grado.



LIVRO NOVO



Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

12 COMENTÁRIOS

  1. Fabíola, seu texto me emocionou.
    Tenho apenas 23 anos e terminei em Abril um namoro de quase 5 anos. Sinto que ainda estou jovem demais para reconhecer de forma tão linda o amor recíproco. Ainda preciso viver muito. Mas com certeza vou levar isso comigo, e a partir de agora observar com mais calma todos os meus relacionamentos.
    Gratidão pelas palavras e ensinamentos.
    Beijos!

  2. Gosto deste verso de nosso poeta maior, que nos remete à tristeza de permanecer em um relacionamento não desejado; preso por outros milhões de motivos. Algo como usar sapatos apertados só porque são lindos, todos os cobiçam mas quem sofre a dor diária é o ser imaturo. Valeu!

  3. Você arrasou mais uma vez, Fabiola. Este texto novo invade-nos até o fundo da alma e nos faz entender a aceitação e a necessidade de se praticar a resiliência… Obrigado por esses momentos de pleno bem estar que nos proporciona através de suas palavras carregadas de verdades…

  4. Vc escreveu o que eu precisava ouvir. Estou em um relacionamento de 6 anos e cerca de 2 anos tenho me relacionado com um garoto de programa. Sim!!! Parece loucura, mas eu m apaixonei… Mas ele o tempo todo foi honesto comigo ao ponto de dizer que a nossa relação não tinha futuro. Insisti muitas vezes… Implorei por migalhas de amor, no entanto era notório em suas mensagens respondidas via celular sem a atenção que meus olhos foram cobertos pela névoa da paixão. Meu esposo de nada sabe, mas percebeu mudanças em meu comportamento, nas minhas agressividades em alguns momentos sem justificativa, nas minhas ausências e, mesmo assim não desistiu de mim. Manteve-se ao meu lado e me amando. Pensei em largar tudo e ficar com esse jovem rapaz que me proporcionava minutos de prazer e deixar aquele que me proporcionou anos de verdadeiro amor…. Fugir com aquele que me encantava em cada ato bem encenado, digno de Oscar, e esquecer aquele que ao meu lado, ajudou-me a superar obstáculos inimagináveis que vida nos impôs. A gente sabe o que é o certo é o que deve ser feito, mas não podemos ditar ao coração o que sentir. Estou agora, na cama, ao lado do meu esposo que dorme mas meu coração nas mãos daquele neste momento nada sente por mim…

  5. Nossa, que história! Obrigada por compartilhá-la comigo e por expôr tanta sensibilidade! Que você possa reconhecer o verdadeiro amor, e torço para que seja este que está ao seu lado, pense que você merece o melhor! Torço por vc, beijos!

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