A saudade é uma velha confusa

Eu sinto saudade da maresia e de ver, pela janela do carro, as ondas quebrando na orla da praia. Sou mineira, criada no interior, e por isso tenho uma espécie de paixão pelo mar. É tão bonito, sem limites e misterioso; diferente do rio da minha infância: sempre calmo e previsível.

Assim como sinto falta de prosear com a minha avó paterna, como nas tardes em que nós duas sentávamos no banquinho da calçada dela. O assento, feito de cimento e tampo de ardósia, ainda existe e parece brincar com a minha memória, como se para me enganar, dissesse:

_Entra na casa, que ela ainda está lá!

Porém, não está. Lembro-me triste, logo em seguida.

Saudade é isso: rememorar o que ainda pode ser vivido, tal como a vista do mar; outras vezes, rasgar o peito pela visita que nunca mais chegará.

E, conforme os anos passam, as saudades se acumulam feito os livros na estante ou as fotografias guardadas em caixas. As memórias amontoam-se umas sobre as outras nos confundindo, fazendo-nos suspirar por coisas que, antes, nem foram tão boas.

De repente, temos saudade do companheiro que um dia nos magoou e partiu, apenas por termos nos lembrado de uma música que dançávamos juntos.

Ou, quem sabe, a saudade penalizada, apague de nossa memória qual foi o ano em que demos o nosso primeiro beijo, como se soubesse que alguns sentimentos não se repetem.

Saudade da turma de amigos, sentados na porta de casa; dos pés sujos de quem brinca na rua; do dedo calejado de quem escrevia a lápis a tarefa escolar; da mãe picando a abobrinha enquanto cantava. Das bandeirinhas juninas, tremulando pelo vento da noite fria.

Quem sabe, a saudade é uma velha confusa que bate à nossa porta sem ser convidada, toma café, fica para o almoço e vai embora sem avisar. Falou dos parentes, cujos semblantes o tempo levou. Deixou as cartas amareladas na mesa, colocou uma música da década passada e encontrou um vestido azul, esquecido no fundo do guarda-roupa. Bagunça feita, palavras soltas, a saudade saiu e nem fechou a porta. Afinal, ela sempre volta.

Qualquer dia desses, ela chega novamente. Entra mansa, finge que não sabe, acolhe e grita. Chora e dá gargalhadas. Uma hora, adoça; outras, amarga. Saudade que deixou de ser palavra com significado, substantivo abstrato. Transformou-se em visita cada vez mais frequente em minha vida.

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Photo by Cristian Newman on Unsplash



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Cris Mendonça é uma jornalista mineira que escreve há 14 anos na internet. Seus textos falam sobre afeto, comportamento e Literatura de uma forma gostosa, como quem ganha abraço de vó! Cris é também autora do livro de crônicas "Mineiros não dizem eu te amo".

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