Amar, às vezes, significa aceitar o fim

Há quem não saiba aceitar que o amor acaba. Recorda o último encontro inúmeras vezes como se pudesse editar as falas, abrandar os gestos e resgatar a companhia.

Vive em prol dessa façanha impossível. Se sente culpado por não conseguir mais despertar no outro a intensidade afetiva que havia antes do rompimento.

A partida se torna um ato inconcebível. Uma ficha que nunca cai. Não consegue dar corda na vida nem cogita a possibilidade de viver outra história. Não sabe mais andar sozinho. Anda com dificuldade, esgueirando-se nas lembranças do outro. Usa os objetos esquecidos como suporte.

Sofre do excesso da falta. A mudança repentina no status do relacionamento atrasa o relógio biológico do lar. Não consegue modificar o ambiente porque tudo serve para resgatar a presença de quem não mora mais ali. Qualquer objeto vira peça decorativa, souvenir, com o cheiro e gosto de saudade. Tudo vira amuleto.

A saudade desencadeia o mesmo ritual de uma homenagem póstuma. A mobília não será trocada para manter a memória do outro sempre ao alcance, como se já não apunhalasse o coração diariamente.

Nada poderá ser alterado até que a ausência prolongada se encarregue de esclarecer os fatos. A teimosia emocional acaba se rendendo à quantidade de provas que vão surgindo.

Quando o relacionamento acaba com uma das partes ainda amando, há um choque de comportamentos, onde um estava a todo momento ensaiando a despedida, como se o parceiro tivesse a obrigação de detectar os sinais, e o outro, distraído, levava a vida como se tudo caminhasse normalmente.

Um relacionamento acaba por diversos motivos, mas o principal é por não haver mais amor. Quem ainda ama, tentará utilizar as juras do primeiro encontro como estratégia de convencimento. Enfeitará o lugar da ausência para forjar compreensão. Perdoará o desinteresse, transformando-o em mera distração. Confundirá a falta de amor com um cansaço qualquer. Justificará o abandono como uma trégua reflexiva. Um retiro espiritual onde um pensará no outro com afeto.

Mas as tentativas de subornar a verdade duram pouco. Quem ama precisará compreender a cronologia do rompimento. Sentirá necessidade de rebobinar os fatos para encontrar evidências de que não é mais amado. Quem ama quer ter certeza que não foi omisso. Que não foi covarde. Que fez tudo para dar certo. Quem ama revisita o passado, incansavelmente, até se dar conta que não dói mais. A lembrança é um mausoléu a céu aberto. Quem visita sem sofrer, sabe que está pronto para amar novamente.



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ESTER CHAVES é uma escritora brasiliense. Graduada em Letras pela Universidade Católica de Brasília e Pós-graduada em Literatura Brasileira pela mesma instituição. Atuante na vida cultural da cidade, participa de vários eventos poético-musicais. Já teve textos publicados em jornais e revistas. Em junho de 2016, teve o conto “Os Voos de Josué” selecionado na 1ª edição do Prêmio VIP de Literatura, da A.R Publisher Editora.

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