“Merlí”: a verdade dói, mas liberta

Merlí ensina mais do que conteúdos livrescos, ele incita os alunos e as pessoas a refletirem sobre o papel que possuem no mundo, sobre a necessidade de se encararem as consequências dos próprios atos, sobre a necessidade de sonhar, mas sem tirar os dois pés completamente do chão.

“Merlí” é uma série de televisão produzida pela TV3, canal da Catalunha, cujas três temporadas completas já se encontram no catálogo da Netflix. Sua temática gira em torno da influência de um professor de Filosofia, nada convencional, sobre a vida de seus alunos e de suas famílias, durante o Ensino Médio, bem como sobre as vidas de todos que convivem com ele no ambiente escolar e na rua. Cada episódio parte da apresentação de um filósofo diferente, cujas ideias se entrelaçam aos acontecimentos que então se desenrolam.

A princípio, pode-se pensar que se trata de uma variante de filmes sobre a docência e que fizeram sucesso, como “Sociedade dos Poetas Mortos”, em que um professor brilhante e perfeito sabe como agir com cada aluno e os estereótipos que carregam. Mas acabamos nos surpreendendo, porque tudo vai muito além do trivial. Merlí não é perfeito, muito pelo contrário, pode ser bastante egoísta e, por vezes, intransigente. Da mesma forma, cada aluno possui uma riqueza imensa dentro de si, surpreendendo a cada episódio. Ninguém é mocinho, ninguém é bandido – daí as surpresas com que vamos sendo deliciados.

Assistimos a uma variedade de dramas e angústias que acometem os adolescentes, os professores, pais e profissionais, os seres humanos enfim. Identidade de gênero, drogas, pais castradores, maternidade precoce, famílias disfuncionais, suicídio, traições amorosas, descoberta do sexo, homossexualidade, problemas sociais, o mundo, seus vícios, suas dores e prazeres vão se descortinando, em meio a tramas que nos prendem a atenção e nos fazem torcer pelo sucesso e pela queda de cada um das personagens, conforme merecem.

Aliás, a escolha do elenco espetacular torna as histórias ainda mais convincentes. Parece que os intérpretes dos alunos vivenciaram realmente aquilo tudo, criando uma proximidade especial com o telespectador, que se coloca no lugar de cada um deles, pois muitos de nós passamos por aquilo enquanto crescíamos. A adolescência, ali, aparece transparente, nua e crua, sem fantasia, dura como ela é a todos, enquanto se descobre que os pais não são perfeitos, que os amigos podem magoar, que seremos julgados, questionados, muitas vezes devastados.

Merlí ensina mais do que conteúdos livrescos, ele incita os alunos e as pessoas a refletirem sobre o papel que possuem no mundo, sobre a necessidade de se encararem as consequências dos próprios atos, sobre a necessidade de sonhar, mas sem tirar os dois pés completamente do chão. Merlí emociona, cumprindo muito bem uma das funções de um educador, qual seja, promover a conscientização de que sermos verdadeiros e agirmos conforme aquilo em que acreditamos nos torna menos duros, menos obcecados, menos patéticos. Porque crescer implica encarar a si próprio, enfrentar as próprias verdades. E, sim, a verdade, muitas vezes, vai doer, mas sempre será libertadora.

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"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar".

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