As desculpas que eu decidi não aceitar

Imagem:  Maksim Shirkov/shutterstock

Duas coisas que não devemos aceitar: cerveja quente e desculpas esfarrapadas. Cerveja quente porque provoca uma bela ressaca, com direito a dor de barriga misturada a uma grande dor de cabeça. E as desculpas esfarrapadas porque são rotas, por demais usadas e gastas para serem aceitas. E ambas nos provocam enjoos.

Sempre que alguém deseja se livrar de uma situação ou de alguém ele se vale de uma desculpa, que consiste num pretexto.  Existem pretextos para tudo. Pretextos para não ir ao chá de panelas da vizinha do andar de baixo; para não visitar a sogra no natal; para não comprar um buquê de rosas para a esposa nas bodas de papel; para não servir petiscos e cerveja gelada para os amigos do marido no domingo à tarde; para não ser sua vez de levantar de madrugada e pegar o bebê chorando no berço; para não elaborar aquele relatório chato no trabalho; para não atender a ligação daquele parente que descreve as mil doenças que contraiu no último ano. Sim, existem desculpas para tudo. Entretanto, há algumas desculpas que eu decidi não aceitar, porque elas me parecem ser tomadas do lugar comum e excessivamente banalizadas, me provocando a sensação de serem meros jargões triviais, vomitados pelo povo em geral, nos momentos em que não têm explicação plausível para o próprio comportamento.

Eu decidi que não existem desculpas para não amar. Não existe esta história de que “não é o tempo certo” ou de que “o problema sou eu e não você”. Isso é conversa de gente medrosa que não tem coragem de mergulhar no escuro, que tem medo de perder o controle e que não sabe amar. São as duas desculpas mais esfarrapadamente rotas que eu já vi. Quando se trata de amor, sinceridade é de lei. Muito mais bonito um articulado “me desculpe, mas não gosto de você”, que ficar borboleteando, com estes rodeios infantis e estas historinhas criadas para ludibriar as pessoas. Ou bem no fundo, é papo fiado de gente que nunca correu de mãos dadas num campo de vaga-lumes à luz da lua cheia, ou que nunca dividiu o sorvete de morango entre risinhos numa tarde de domingo. Seja qual for a opção, da mais absurda à mais trivial, sempre serão desculpas de quem não sabe amar, não quer aprender e tem medo de tentar. São as desculpas de quem não amadureceu o suficiente para ver o pôr do sol em silêncio, com as mãos entrelaçadas, sabendo que o que vem depois é o depois quem vai dizer e não uma regra social qualquer. São as desculpas de quem não entendeu que amor é uma coisa e compromisso social é outra: o primeiro só se estabelece com o tempo, porque ele é delicado e precisa de cuidado e gentileza para permanecer.

Não há desculpas que possam ser aceitas para justificar a falta de tenacidade. Não existe esta história de “eu não dou conta”, “isto não é para mim”, “é muito difícil”. Ou você é perseverante, ou se assume como um desistente. Pare de culpar o mundo e as coisas ao seu redor pelas suas desistências. É duro, mas somos frutos de nossas atitudes e não dos poderes cósmicos do mundo. E aceite: na vida todos vamos desistir de uma ou outra coisa. Desistir faz parte da vida. Isso não nos diminui como seres humanos, não nos inferioriza. Não é vergonha falhar, não é vergonha não ser dono de uma perseverança cega. A única vergonha que posso cogitar é a de não ter a iniciativa de tentar. O desistente é, antes de qualquer coisa, um tentante. Afinal, quem é que vai desistir de algo sem jamais ter ao menos tentado? Nesta jornada somos todos seres tentantes, alguns verdadeiramente tenazes, outros nem tanto. Seja como for, passamos pela vida para viver as múltiplas experiências de tentar.

Não existe desculpa aceitável para não ser feliz. Ninguém quer ser infeliz. Todo ser vivente nesta Terra tem como único objetivo comum encontrar a felicidade. Se uma pessoa vive 56 anos, 56 anos ela tem para tentar encontrar a felicidade. É a única ideia da qual não podemos desistir na vida, porque é a única coisa que podemos encontrar de diversas formas. A felicidade é plural, múltipla e dinâmica. Ela pode ser encontrada em vários momentos, de diversas formas. Não é apenas uma única coisa que pode nos fazer felizes, porque a felicidade tem essa capacidade louca de ser ilimitada e irrestrita. A única coisa que pode restringir a felicidade são as desculpas rotas e esfarrapadas e elas eu decidi não aceitar também.

Quais são as desculpas esfarrapadas que você vai decidir não aceitar também?



LIVRO NOVO



Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

3 COMENTÁRIOS

  1. Affffffffffff e quando vc não quer fazer e faz mesmo sem querer. Faz por obrigacao , faz por educação, porque é o certo fazer mas não dá desculpas e aí fica oprimida, sofrendo por antecipação, mas faz. Bem só me livrei de tudo isso agora nas alturas dos sessenta e isso me dá uma alegria, um alívio imenso! Assumi, não vou, não faço, porque não estou a fim, porque não quero é porque sim e ponto! Aiiiiii que delícia

  2. Meu nome é Marcos Zenon, 27 anos… Achei incrível o seu texto, muito bem explicado de maneira simples. Espero que muitos adotem isso, eu já adotei a um tempo atrás, teu texto só reforçou!

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