Não diga “eu te amo”, diga “vamos viajar”. – Antônia no Divã

Imagem de capa: Poprotskiy Alexey, Shutterstock

Já faz algum tempo que viajar mudou a minha vida, como poucas coisas neste mundo conseguiram. Eu sei, oportunidades de emprego são maravilhosas, conquistar algum poder aquisitivo também, um pedido de namoro é algo especial, mas nenhuma destas conquistas fala tanto com o meu coração cigano quanto um convite para pegar a estrada.

Eu fui do tipo de viajante dita “loba solitária”. Não que eu não quisesse ninguém comigo, do contrário, eu viajei muito sozinha justamente para me pré-dispor a conhecer pessoas. O fato de botar a mochila das costas e marcar um encontro com o mundo proporcionou-me conhecer algumas das pessoas mais fantásticas que tive o prazer de cruzar. E eu celebro os amores e amizades que espalhei por aí até hoje, num misto de saudade e euforia a cada novo contato.

Mas algo sobre convidar alguém para viajar faz o meu estômago dar cambalhotas e cair em espacato. Primeiro porque viajar é um ato que por si só exige muita coragem. Você sai da zona de conforto, e isso exige todo tipo de preparo mental para os perrengues do caminho. Viajar acompanhado exige um preparo ainda maior. Sim, porque você se vê obrigado a discutir como resolver cada situação e concordar com as soluções necessárias a cada novo dilema. É como consertar a roda da bicicleta enquanto anda nela. Viajar acompanhado é abrir mão do que “EU” quero fazer, e achar harmonia no que “NÓS” iremos fazer. E para uma viajante independente como eu, abrir mão de algo no momento mais egoísta da vida – aquele tempo que eu tiro para desbravar o mundo – é o maior ato de altruísmo que alguém pode esperar de mim.

A exemplo das maravilhas de dividir estes momentos, eu posso citar a sensação maravilhosa de chegar numa praia nunca explorada antes e olhar para o lado e ver a boca cheia de dentes de uma melhor amiga no maior sorriso do mundo. Talvez o sorriso seja mais belo que a própria praia. Dividir a cama de um hostel com aquela sua outra amiga que fez questão de te encontrar num pais distante (mas que esqueceu de fazer uma reserva) pode ser considerada uma forma de amor também. Segurar na mão de alguém enquanto admira a vista de uma alta colina na Escócia tem o mesmo frisson de um orgasmo. Beijar sob luz das estrelas e ver acompanhada o sol nascer na ilha grega de Ios, é uma memória que jamais vai se esvair da minha mente.

Então perceba que viajar é um ato de amor próprio. E dividir esses momentos especiais é algo sublime.

Na semana passada eu me despedi de alguém que conquistou rapidamente um lugar no meu coração. E como eu sou masoquista fui até o aeroporto dizer o meu “até breve” – aeroporto, aquele lugar que sozinho já me desestabiliza. E nesse exercício de ir embora e deixar ir embora, eu fiquei para trás no portão de embarque lembrando-me de tanta gente que amo e que em algum momento já se despediu de mim. Naquelas despedidas, me dei conta que muito mais do que dizer “eu te amo”, eu dizia “te espero lá, vem viajar comigo”. Era esse o meu jeito de dizer que amava – provando que eu estava disposta a dividir o melhor do mundo com aquela pessoa – seja ela pai, mãe, irmãos, amigas, amores.

E isso aconteceu comigo mais uma vez nesta semana, mas desta vez eu estava do outro lado da mesa da proposta. Lá da Austrália, eu ouvi a minha frase preferida “ei lindona, vamos viajar, vem pra cá passar um tempo comigo”. Pronto! Talvez um convite de casamento não tivesse me arrancado uma euforia maior. Comuniquei uma amiga sobre a proposta, e ela disse “vem pra cá mesmo, eu te ajudo com a passagem”. Eu tive dois convites de amor em um mesmo dia. Eu pude jurar que eu era a garota mais sortuda do mundo.

Não sei o que acontece com o meu peito nômade, mas essa proposta tem um poder sobre mim como nenhuma outra. Talvez porque eu sei que viajar junto dá trabalho. Ou porque eu tenha certeza que as memórias de uma viagem são intensas, especiais e marcantes. Ou simplesmente porque o meu ideal de relação envolva justamente a ideia de alguém querendo me entregar o mundo, de celebrar meu anseio por liberdade e de querer me ver dançar a alegria de conhecer novos territórios. Pode ser que seja porque eu sou a melhor versão de mim com uma mochila nas costas, e o amor seja mais convidativo. Ou apenas porque eu sou louca por viajar e nenhuma outra analogia seja necessária.

De qualquer forma, não importa se a viagem é até a praia logo ali, ou se o convite é para atravessar o mundo. Eu não me preocupo se um lance é um lance, ou se vai ser romance. O convite não precisa vir de um amor arrebatador, pode ser um amigo, ou alguém que tenha saudades. Amor para mim fica óbvio com a sugestão de visitar essa minha velha amiga chamada estrada. Receber um convite meu para uma viajem, é, sem dúvidas, ter a oportunidade de ocupar o lugar de maior prestígio na minha vida. Não precisa de promessas de amizades eternas, juras de amor, alianças ou outras provas tradicionais de carinho.

Só dois passaportes e o mundo.

Então se quiser provar que ama um viajante, não diga “eu te amo”. Diga “vamos viajar”. Eu tenho certeza que ele vai amar e arrumar as malas correndo. E neste caso, não responda “eu te amo também”, diga “eu estou indo!”.

Fim da sessão.



LIVRO NOVO



Uma questionadora fervorosa das regras da vida. Viajante viciada em processo de recuperação. Entusiasta da escrita. Uma garota no divã figurado e literal. Autora do blog antonianodiva.com.br.

2 COMENTÁRIOS

  1. Antônia, que texto maravilhoso! O melhor que li nos últimos dez anos!
    Quanta verdade, quanta determinação… Eu abri mão de uma carreira, da família para viver viajando com um grande amor. E foi a melhor escolha que fiz na minha vida!
    Os perrengues são instrumento de aprendizado, nos unem mais. Nos dão a certeza de que foi a escolha certa.
    Parabéns! Virei sua fã.
    Um beijo.
    Makenna.

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