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Iluminar-se dos outros

Meus avós costumavam contar que antigamente, quando ainda não existia eletricidade nas casas, e combustível para as lamparinas era artigo raro, a pouca luz que se tinha em casa era regrada. À noite, as pessoas apenas se aquietavam.

Mas quando ia se fazer uma visita ou levar um agrado, a luz da lamparina que iluminava o caminho, que clareava a estrada, era recebida pela casa com as seguintes palavras: “Bem-vindo você que trouxe luz para essa casa”. Eu sempre adorei essa história.

E o que é o amor se não isso, luz trazida de longe para iluminar a gente por dentro? Basta olhar para ver como os amantes se iluminam mutuamente. Em uma medida rara, são o ascender dos sonhos do outro, o aquecer da candura do outro, a centelha que generosamente se multiplica em nome do outro, sem esforço desproporcional, sem anulação. Iluminam, um ao outro, apenas existindo.

E nos momentos difíceis, em que nos perguntamos se o amor vale mesmo todos os desafios, a conta é fácil: se há respeito pela grandiosidade do outro, vale. Se há generosidade de aguardar o tempo de maturação da calma do outro, vale. Se após a tempestade, vem a doçura se assentando no horizonte, ainda que tomada emprestada das memórias, vale.

Vale porque, muito além do que se abre mão, há tudo que se ganha sendo dois. Ganha-se um colo que não exige pressa, pés que entrelaçados nos situam na noite, olhos que entrelaçados nos aprumam no dia. Ganha-se um parceiro sem julgamento para os domingos preguiçosos, uma voz que acalma em meio à rotina, um riso pela casa que também faz rir.

Ganha-se na espontaneidade de quem rima com seu jeito sem ensaio, ganha-se em silêncios que se respeitam, orgulhos que se põem de lado em espera, beijos paliativos, conversas que não se despedem. Ganha-se mãos que encorajam, interesse para os seus assuntos sem nexo preferidos, intimidade deliciosamente conquistada, ganha-se compreensão. Ganha-se o estado constante de estar-se iluminado pela existência do outro.

Diego Engenho Novo

Escritor, publicitário e filho da dona Betânia. Criador do blog Palavra Crônica, vive em São Paulo de onde escreve sobre relacionamentos e cotidiano.

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