Porque sim continua a não ser a melhor resposta.

Meninos, eu não sei qual é o rosto de cada um de vocês e quem é quem. Não sei da personalidade, dos gostos e quando foi à última vez que brigaram entre si pela disputa do controle remoto. Mas sei do desgosto, talvez o primeiro e o maior de todos por essa vida.

Aquele que mais parece um solavanco no meio da barriga, arrancando com força alguma coisa lá de dentro da gente, com uma frase só:

– O papai morreu!

Qual o segundo exato, a medida certa, o tempo preciso que nos faz ter consciência do que isso significa? Desculpem meninos, esse tempo é um só para cada um, não há como dividir e nem como saber quanto tempo cada um de vocês vai demandar. Mas não se preocupem. Se demorem, se quiserem. Se apressem, se quiserem também.

O que não muda para nenhum de nós é o tal puxão no meio das entranhas, esse é igual para todos. E mesmo sem compreender direito, no fundo se sabe que algo mudou para nunca mais voltar.

E não há mesmo como voltar. Essa sentença também chegou para mim na idade de vocês, e é por isso, que me arrisco a falar de algo que mesmo comum entre nós é tão íntimo e particular em cada um de nós.

Sabe de uma coisa? Eu não me lembro de ter pedido por isso na cartinha de final de ano ao Papai Noel. Para ser bem sincera eu tenho certeza que não pedi! Mas aconteceu. E acontece. Com o amiguinho da escola, com o parente distante, com o vizinho e com a gente também. E quando acontece o solavanco na boca do estômago vem para confirmar que algo mudou para sempre.

Não meninos, não vou abusar do fato de vocês ainda serem novos para aplacar a dor de vocês com mentiras. Vai mudar sim, já mudou e será para sempre em vocês também. Ainda tão crianças já sabem da crueza da vida. E, ainda tão novos também saberão reconhecer o privilégio que tiveram em suas vidas. Um privilégio carregado de um valor que só cresce dentro da gente com o tempo. Isso vocês ainda não sabem, mas irão se dar conta um dia, podem ficar tranquilos.

É meninos, aconteceu com vocês, aconteceu comigo e o porquê de ter acontecido com a gente eu não faço a menor ideia. Chato do jeito que é não podemos mudar isso com uma mágica, um efeito especial de vídeo game ou simplesmente prometendo comer mais brócolis no almoço de amanhã. Não tem a ver com vocês, com a gente, ou com eles. Tem a ver com a vida, que ás vezes é meio misteriosa e sem explicação mesmo.

Comigo já faz um tempo bom e a única coisa que sei disso tudo é que o que dói hoje pode ter certeza, foi muita vida bonita ontem. E vai continuar a doer e continuar a ser vida bonita também. Portanto, sintam-se a vontade para chorar e para sorrir, para se orgulharem e para se entristecerem, para aceitar e para se indignar. Todos esses sentimentos cabem dentro de um dos porquês que ninguém jamais saberá te responder.

Só tentem não ficar bravos com quem não souber essa resposta. É que vocês também serão obrigados a aprender mais cedo do que a maioria, que nem todas as perguntas têm realmente uma resposta.

Mas olha, de tudo que muda, de tudo que fica sem resposta, de tudo que não se reconhece mais, de tudo que essa desconhecida ousou falar a vocês…

De tudo, tudo mesmo, ainda permanece vocês e ele sempre juntos. E essa resposta vocês ainda vão descobrir sozinhos, podem acreditar. Na dúvida comam mais brócolis no almoço, só por saber que ele iria gostar.



LIVRO NOVO



Aquela entre as palavras que escondo e revelo quase sem querer.

4 COMENTÁRIOS

  1. Karla, que texto lindo,delicado, tocante. Não sou mais uma menina e perdi meu pai já com 22 anos….senti e ainda sinto esse tal “puxão nas entranhas”.Nca li nada tão suave!Parabéns por tanta sensibilidade. Vou guardar esse texto e na dúvida, comer abóbora “só porque ele iria gostar”!

  2. “É meninos aconteceu com vocês,aconteceu comigo, e o motivo de ter acontecido com a gente não faço a menor ideia…” Esse lindo texto é muito tocante pra mim. Perdi meu pai também aos quatro anos de idade sei bem o quanto é forte esse ‘solavanco no meio da barriga’ e tem dias que ainda dói e muito. E na dúvida vou ler muito “só porquê eu sei que ele iria gostar”.

  3. Que texto lindo! Tenho 22 anos, perdi meu pai tem quase 4 meses sem ao menos poder me despedir dele. Tem dias que o coração aperta mais que outros, tem dias que a saudade sufoca, dias que as lagrimas escorrem de tanta saudade que sinto.. É tão difícil ver seus dias com um buraco, um vazio que jamais voltará a ser preenchido por aquele que se ama. Esse texto de uma forma delicada me fez sentir um bem no meu interior, pois é de extrema sensibilidade, parabéns!

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