Abrir mão da popularidade para poder abrir os braços a quem somos de verdade

Imagem de capa: gpointstudio, Shutterstock

Por trás das palavras é que mora a verdade. As palavras são apenas e exatamente o que são: fragmentos escolhidos de nossos verdadeiros pensamentos. Não tornamos público, na íntegra, o que nos vai na alma por uma simples razão: caso o fizéssemos, acabaríamos a sós. E, nada nos assusta mais do que nossa própria companhia.

A despeito de nossa desesperada necessidade de categorizar tudo, não existem corajosos e covardes puros. Coragem ou covardia são acessórios que habilmente aprendemos a usar, a depender de nossa necessidade emergente. Assumir a autoria pelos desequilíbrios que causamos requer coragem; requer vontade confessa de abdicar da aparente proteção de um comportamento politicamente correto. Arcar com as consequências de uma postura rotulada como “covardia”, também requer coragem. Coragem de admitir que somos fracos, falhos, invejosos e egoístas. Admitir que essas mazelas fazem parte da nossa natureza nos tornaria, no mínimo, menos hipócritas.

Colocar a necessidade do outro adiante da nossa é uma decisão absolutamente subversiva. Requer de nós uma ousadia que estamos longe de alcançar. Olhar para a dor ou a fraqueza do outro à distância não nos aproxima de sua assustadora condição; mas, via de regra, é o que damos conta de fazer. O sofrimento é interpretado por nossa acanhada capacidade de compreensão como situações de punição ou de fatalidade. Temos enorme dificuldade de compreender que o sofrimento, assim como a felicidade, é o pão pronto saindo do forno. Esquecemos que para que esse pão fique pronto, antes de qualquer coisa é necessário que se tenha “a intenção do pão”. É preciso planejar, contar os ovos, medir a farinha, verter o leite, dosar a manteiga, quantificar o açúcar e o sal, lembrar que, se não houver fermento não haverá crescimento. E, atire a primeira pedra aquele que, na ansiedade pelo prazer de saborear o pão, iniciou o projeto sem ter certeza de possuir todos os ingredientes. Que fatalidade! O forno já aquecido, a batedeira em plena função, e constata-se que por uma negligência, não há fermento. Nesse momento, nos vemos confrontados com nossa infantil carência das soluções mágicas. Cabe-nos uma decisão. Teimamos em seguir adiante e aguentamos a experiência frustrada do pão ázimo? Ou, interrompemos a missão e vamos em busca de encontrar, lá fora de nós, o fermento esquecido? Desistimos do pão?

Como nos é penoso tomar decisões! Como somos despreparados para os insucessos! Mal uma ideia germina em nossa mente e já somos capazes de vislumbrar a glória. E, se somos corajosos o suficiente para considerar o fracasso, no lugar de emergirmos de nossos casulos tecidos de expectativas de perfeição e lançarmos mão de alguma coragem laboral, desistimos do projeto. Somos eternas raposas desmerecendo as uvas, não porque estejam verdes pra nós, mas sim, porque nós estamos eternamente verdes pra elas.

Perdidos num labirinto interno, cheio de espelhos a alimentar nossa tosca vaidade, nos transformamos em reféns do nosso próprio delírio de paixão por nossos próprios feitos. Desesperados por notoriedade e reconhecimento, subvertemos a ordem da lógica. Vestimos uma toga de poder sobre a interpretação que o mundo pode fazer de nós. Acreditamos em nossa prepotente capacidade de vender uma imagem de nós mesmos, criamos slogans de sedução como forma de impedir o outro de nos enxergar sem a maquiagem tridimensional.

O real significado das nossas projeções não é covardia, é medo, um medo visceral e viscoso. É por medo de que o mundo descubra nossa fragilidade ética que podemos cair numa armadilha tão dourada quanto opressiva que nos leva a vender-nos ao mundo como se fôssemos objetos de desejo numa vitrine de consumo. Olhando bem de perto, nossa propaganda de extrema sinceridade, não passa de uma fraqueza travestida de virtude. E, procuremos não nos esquecer que, antes de vomitarmos em cima do outro nossas “definitivas verdades”, é mais honesto avaliar se somos capazes de viver segundo o código de honra que vivemos bradando por aí, como se ele fosse uma natural extensão de nós mesmos; quando, na verdade, somos bem pouco aptos para honrá-lo.



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"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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