Haja humildade para descer dos altares e subir dos buracos a que nos submetemos espontaneamente

Imagem de capa: CHOATphotographer, Shutterstock

Quem nunca tomou um caldo na praia, não pode entender o que é a sensação de se ver embolado numa massa de água e areia que roda em volta da gente, parecendo zombar de nossa insignificância em relação à imensidão do mar. Pode até imaginar… mas entender?! Não. Definitivamente, não!

Naquele instante de impotência momentânea não há nada que se possa fazer. A gente se entrega. Espera passar. E, quando sobrevive para contar a história, volta com uma boa experiência para compartilhar… além dos inúmeros ralados nos joelhos, cotovelos e onde mais a areia do fundo tiver podido alcançar.

Quem nunca levou um pé na bunda, não pode compreender que o chute dói por toda parte, não apenas na bunda. Pode até imaginar… mas compreender?! Não. De jeito nenhum! Dói no coração, porque tinha certeza de que aquilo era amor. Dói na vaidade, porque a gente nunca acha que vai ser “o que sobra”. Dói na cabeça, porque cansa demais ficar pensando num jeito de parar de sentir. Dói na esperança, porque é difícil demais aprender a lidar com os “nãos” da vida. Dói por toda parte, até aquelas partes que a gente só descobre que tem depois que leva um pé na bunda.

Naquele momento em que o outro parece estar errando o texto, mudando o roteiro da nossa vida, sem pedir licença… também não há nada que se possa fazer. Mas nesse caso, ainda que não haja nenhuma lógica nisso, a gente não se entrega. Não quer esperar passar. A gente quer achar um jeito de fazer o tempo correr para o futuro, num lugar mais seguro onde o outro não exista mais, onde essa pessoa seja apenas uma figura desbotada na nossa história. Ou, então… a gente quer subjugar o destino e fazer com que o outro nos ame para sempre, por decreto. E quando sobrevive para contar a história, também volta com uma riquíssima experiência; só que dessa vez, não se faz muita questão de compartilhar. O melhor mesmo é esquecer. Além do que, não haverá ralados físicos evidentes. Neste caso, os ralados ficam do lado de dentro, onde a cicatrização demora um bocadinho mais.

Quem nunca vendeu a alma para uma entidade qualquer – que pode ser tanto dinheiro quanto afeto e aceitação -, para ter aplacada sua carência afetiva quilométrica, não é capaz de imaginar o quanto pode ser fundo o buraco da alma; ou, o quanto pode ser exaustivo sustentar a personagem de um ser perfeito imóvel num altar. Pode até fingir que imagina… mas, imaginar mesmo?! Ahhhh… não! Nem que a vaca tussa! Essa é uma loucura muito, muito particular.

Naquele momento em que você se dispõe a cavar túneis, sem ferramentas ou lanternas… só contando com o tato, a coragem e os punhos… é com você e você mesmo. Não há testemunhas, nem cúmplices que visitem nossos buracos profundos. É a mais pura solidão. Apenas e tão somente equipara-se essa experiência à tolice que é aceitar o lugar num relicário qualquer. Assumir uma santidade e perfeição tão impossíveis que só servem para nos perpetuar num lugar de mendicância afetiva. Migalhas. Sinceramente, não sei o que é pior.

Pelo sim, pelo não… melhor é nunca permitir que alguém nos faça querer posar de santa num altar. Na melhor das hipóteses, viraremos estátuas… imóveis, secas, frias. Na pior das hipóteses, acabaremos despedaçadas em milhares de pedaços. Porque ao colocarmos em mãos alheias as rédeas de nossas vidas, mais cedo ou mais tarde tomaremos um caldo ou um pé na bunda. E então… haja humildade para nos ajudar a subir dos buracos e descer dos altares aos quais nos submetemos espontaneamente.



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"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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