Muito prazer, eu sou mulher

Imagem de capa: sanneberg, Shutterstock

Não parece, mas ser mulher é um desacato. É um ato surpreendente de bravura desobediente, que nos é imposto a partir do momento em que a ultrassonografia delata: “É menina.”. Sim, com esta declaração vem também muitas outras prerrogativas.

Quando uma mulher nasce, nasce junto com ela a necessidade de ser forte. Não importa a que condições ela seja submetida, ela deve ser forte. Ela vai poder chorar, afinal, mulheres choram. E se ela quiser ser “casca grossa”, as pessoas vão dizer que ela é louca. Ela vai virar motivo de piadas constantes por ser estressada, estouradinha. Afinal, aceitemos os fatos, mulheres são seres frágeis e sensíveis.

Não importa em que meio ela cresça, ela vai poder ser o que ela quiser. Porém, ela vai ter que aceitar a roupa certa, no tamanho certo; as brincadeiras de meninas; o sentar de perninhas bem cruzadas; a ideia fatídica de casamento e filhos, quando, na verdade, ela se morde de inveja do irmão que já está fadado a ser astronauta; o falar baixo, onde já se viu moça falar palavrão?

E acreditem, ela pode sim ficar solteira, mas ela será uma solteirona infeliz e mal-amada. Quando a conta do cartão de crédito for maior que o dinheiro que ela tem na conta, as reclamações serão totalmente fruto da falta do marido que ela não conseguiu ter, por ser tão azeda. Em hipótese alguma ela poderá ser uma solteira feliz. Ela não se completa sozinha. Ela precisa ter seus horários controlados, sua vida explicada e companhia constante.

Ela será privilegiada com uma licença-maternidade, mas isto é um mero privilégio, afinal, a jornada de trabalho dela se resume às oito horas diárias fora do lar e mais as outras horas no lar que não se contabilizam. Horas estas em que ela deve dar conta do chinelo do marido, do choro incessante dos filhos, do feijão queimando, enquanto olha paras as unhas sem esmalte e sente as pernas formigando da labuta diária.

Ela sempre poderá clamar por seus direitos. Ora, quem foi que disse que não? Mas isso não é coisa de moça de família. Moça de família não quer andar sozinha por aí, usando a roupa que quiser e poder se sentir segura em qualquer lugar. Uma moça de família não vai querer seduzir os homens amamentando seus filhos em público. Os bebês podem certamente esperar. Uma moça de família não vai querer tirar o útero porque não quer ter filhos. Ter filhos é sempre o destino da mulher.

Ela poderá sempre se comportar como quiser e ela não será rotulada como “para casar”, “para pegar”, “essa eu não sei”. Ela é um ser livre, ou será que vocês não perceberam isso?

Ao longo da sua vida, ela jamais precisará se defender das invasões propositais à sua intimidade, mesmo quando ela estiver em pé, dentro de um ônibus, vestindo um hábito de freira e aquele desavisado encostar nela durante quarenta minutinhos sem querer.

Uma mulher sempre poderá sentar sozinha em um bar para tomar uma cerveja e pensar na vida. Que é que tem? Mas, ela sabe que isso é uma pequena subversão.

Ela pode ter depressão. Depressão é coisa de mulher. Ela não precisa dirigir. Dirigir mal é coisa de mulher. E, ao longo do caminho dela, ela vai encontrar muitas “coisas de mulher”, às quais ela não pensa que sejam, nem mesmo têm relação com ela, mas ela precisará engolir e aceitar com um risinho bobo. Se ela espernear vão mais uma vez dizer que ela é louca.

Ser mulher é mais que dar à luz, é mais que amar um homem, é mais que ser cheia de “mimimis”, é mais que ter TPM, é mais que ter vocação materna. Ser mulher é rasgar um leão todo dia para permanecer viva, para conquistar uma posição decente no trabalho, para conquistar o respeito social sendo quem a nossa essência quer ser, para ter o direito de ser o que quiser. Ser mulher é romper com tudo que esperam de nós, desde o fatídico dia em que dizem: “É menina!”. Ser mulher é saber que é preciso subverter, discretamente, desde o início. É ter este espírito de amazona sempre domesticado dentro da gente. Então, me perdoe por todos os meus desacatos. Mas muito prazer, eu sou mulher!



LIVRO NOVO



Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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