É impossível conviver com a dor de abandonar um sonho

Imagem de capa: Warunya Ngamcharoen/shutterstock

Às vezes penso que é fácil desistir. Olhar para tantos sonhos coloridos e desviar o rosto. Não sorrir. É que tudo fica tão chuvoso por dentro, e olha que eu amo tanto a chuva, mas ela amedronta às vezes. Quando é forte demais e a janela parece que vai despencar com tantos bombardeios de trovões. O tempo lá fora entra em consonância com a bagunça aqui dentro e custo achar um pente fino que ponha ordem nessas ideias embaraçadas.

A vida é muito louca mesmo. Um dia a gente acorda e quer engolir o mundo porque o peito está queimando em sonhos. A gente quer levantar, fazer tudo certo e até faz. Até certo ponto. Mas no outro dia, compreende que é pouco. Que precisa de mais. É um desalento, porque nem sempre a gente tem esse “mais” para dar, aquele gás na subida. Aquela alavanca que segura as pontas e nos protege de tudo.

Parece que a gente murcha com o acúmulo de expectativas. Porque é preciso mover muitas peças para movimentar o tabuleiro, bem mais do que a gente pensava. É mais complexo. É mais duro. É mais fundo. É além. A gente se sente sozinho, despencando no túnel vazio da descrença, caçando o “mais” sem ter.

É quando penso que deixar para lá é a coisa mais sensata a fazer. Mas deixar para lá é se abandonar e isso significa se esquecer. Ninguém quer viver esquecido de si mesmo, porque é isso que acontece quando a gente abandona um sonho. É mais que isso, é acordar com aquele oco imenso doendo que nem ferida recente, onde tudo bate em cima, e qualquer coisa é motivo para lembrar que não sonhar é o fim.

É quando penso que eu não sei desistir. É inviável. Impossível. Porque jamais conseguiria conviver com a dor de abandonar um sonho e não poder vê-lo crescer gradualmente. Ganhar forma e engatinhar mesmo com passos lentos e titubeantes para o futuro realizável. Brincar na varanda dos meus pensamentos com as peças de encaixe de uma vida inteira a construir.

Sei que essa transição às vezes parece uma eternidade. ‘’Somos instantes’’. Instantes cheios de luzes e explosões, porém instantes de reflexão e pressa. Descemos até o interior, aos confins de nós mesmos para planejar cada detalhe, como se pudéssemos gerenciar o rumo das coisas. Ilusão de controle… que circo! Não controlamos absolutamente nada. Que graça teria se não recebêssemos a visita do acaso?

Se somos instantes, efêmeros pontos de luz que, às vezes, se apagam para consertar as instalações da luz própria, devemos ter a plena consciência da falha e finitude. E isso não deveria assustar tanto. A luz que oscila, às vezes é só um detalhe, um embaraço provisório nessa imensidão de instantes futuros.
Quantos?

Não sabemos.



LIVRO NOVO



ESTER CHAVES é uma escritora brasiliense. Graduada em Letras pela Universidade Católica de Brasília e Pós-graduada em Literatura Brasileira pela mesma instituição. Atuante na vida cultural da cidade, participa de vários eventos poético-musicais. Já teve textos publicados em jornais e revistas. Em junho de 2016, teve o conto “Os Voos de Josué” selecionado na 1ª edição do Prêmio VIP de Literatura, da A.R Publisher Editora.

1 COMENTÁRIO

  1. Abandonar um sonho nem sempre é ruim. Quando nos esforçamos, nos dedicamos, fazemos o correto, agimos honestamente e, mesmo assim, o sonho não acontece, porque, simplesmente, não era para ser, porque depende também de outra ou outras pessoas, sendo assim, não vejo nada demais a desistência. À gente muda também. Quando se abandona o sonho de verdade, não há dor, porque ele já não é tão importante assim. O que dói é a fase de optar por desistir ou não. Isso sim! Hoje, eu tenho sonhos, já realizei alguns e, também, abandonei outros. Sou feliz! Ah, a vida também me presenteou com acontecimentos que nem chegaram a ser sonhos, mas que o fruto é tão importante que, hoje, não sei como aquilo não era sonho. O mais importante é amadurecer em cada decisão, em cada fase, sem nos tornarmos egoístas. Sendo assim, nos tornamos melhores.

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