Ninguém escolhe ser estranho

Caras feias à parte, todo mundo tem uma esquisitice, ou várias. Tem aquela senhorinha de lindos cabelos branquinhos que vai à missa todo santo dia e que, há anos é secretamente apaixonada pela outra senhorinha que cuida da sacristia. Tem aquele rapaz tímido da casa azul que tem certeza ser amor o que vem sentindo por aquela mulher, com quem ele nunca teve o prazer de conversar pessoalmente, mas que tem enchido seu coração de alegrias e sonhos improváveis, apenas com seu “bom dia” enfeitado com um sorriso de batom vermelho.

Tem ainda, aquela moça de curvas estonteantes que vive sendo assediada por onde passa, mas que vem sendo ignorada pelo namorado há anos e cuja vida afetiva é tão fria quanto a Sibéria. Sem falar do menino do quinto andar, que anda comendo toda sorte de bobagens escondido porque vive angustiado com seu excesso de peso desde o início da adolescência.

Estranhos somos todos nós, cada um do seu jeito, de acordo com a sua história, a depender de suas lacunas emocionais ou calombos afetivos. Somos acometidos pelas mais variadas formas de estranhezas, na mesma medida em que apontamos com tanta facilidade as estranhezas alheias.

E, verdade seja dita, a gente vai se especializando em disfarçar o que sente, quando o que se sente não cabe bem direitinho nos padrões de normalidade. Vamos virando peritos em sublimar desejos e aspirações, em troca de uma aceitação pública, em troca de umas migalhinhas de afeto ou uns minutinhos de popularidade.

Eu, por exemplo, amo dias nublados; sou apaixonada por tempestades; detesto o Natal – e, não, eu não sou O Grinch -, falo sozinha, pergunto, respondo e discordo de mim mesma; adoro ficar acordada no meio da noite, quando tudo é silêncio; há anos sofro de insônia porque meu relógio biológico deve ter sido fabricado no Japão; tenho horror a rotina, não uso nem a mesma marca de sabonete duas vezes seguidas; sonho acordada e acredito com todas as minhas forças que dizer “eu te amo” tem muito mais poder do que “vai com deus”.

E, para dizer a verdade, talvez eu não faça a menor ideia de quais são, de fato, as minhas bizarras esquisitices, aquelas que só os outros são capazes de detectar, com seus olhares pouco indulgentes e muito afiados.

Ninguém escolhe ser estranho. Não. Não mesmo. Mas, todo mundo é! E isso é altamente libertador, quando dito em voz alta ou escrito numa tela de papel virtual. Eu, aqui desse lado, contemplo agora seus olhos que me leem do outro lado, aí no seu lugar, no seu mundo. Nesse momento, meus olhos daqui encontram seus olhos daí e eu tenho uma coisa para te dizer “Abençoado seja o nosso direito de ser estranho. Porque estranhos somos todos. Só nos falta coragem para admitir!”.



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"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

1 COMENTÁRIO

  1. Fabíola, interessante sua percepção do estranho, mas pergunto – Somos realmente estranhos ou somos diferentes? De repente o meu normal é estranho para você ou vice versa. Neste mundo globalizado o estranho está tao normal que normalmente não somos mais assim, tão estranhos. Somos diferentes. . . isso somos! Parece loucura, mas não é. Ficar sozinho, se agradar de uma noite chuvosa, contemplar a noite não chega a ser estranheza, inclusive me identifiquei muito com isso.
    Enfim, somos sim muito diferentes – porque estranho é normal.
    Convido você a conhecer meu blog: https://marcusassuntosdiversos.blogspot.com.br e deixar suas opiniões, abraços. . .

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