Sobre amores descartáveis

Esse poderia ser mais um artigo sobre esse tema de botas batidas, cheio de frases de Bauman, Deleuze ou Bukowski, e talvez seja. Talvez seja mesmo mais um sobre amores descartáveis. Talvez seja sobre como todos nós estamos marchando em bando para esse precipício sem fundo, que é transformar o afeto em satisfação do ego. E lá vamos nós, galopando, sedentos e tropeçantes. Lá vamos nós, reduzindo o amor à citação de frase bonita nas redes sociais. Lá vamos nós, reduzindo o amor a uma selfie. Bonito, distante, superficial e irreal.

Nós fazemos promessas que nunca vamos cumprir, damos a mão ao desconhecido jurando ser um velho amigo. Esquecemos, no entanto, das lacunas individuais do outro. Esquecemos das rachaduras que há no eu e que se transporta para você e para o nós. Fingimos que o outro não está ali, porque importante é a nossa projeção ficar intacta. Ah, o amor dos sonhos. O amor desenhado e pré concebido. O amor e seu passo em falso. O amor sorrindo no canto da boca fazendo uma fenda. Inabalável até o primeiro estalo, até o trincado no teto virar ameaça de desmoronamento. Pulamos do barco antes que este afunde. Não há bote preferencial, é cada um por si e deus por todos. O marinheiro, as crianças e as mulheres que se lasquem. A falácia não se sustenta. Amor coisa nenhuma: vaidade. Amor coisa nenhuma: passatempo. Amor coisa nenhuma: droga alucinógena da felicidade.

Acabou o efeito, ressaca. Acabou a droga, vamos negociar mais com os traficantes. Mais amor entorpecente, mais ressaca, mais vício. Até ficarmos irreconhecíveis, revirando qualquer lixo para uma refeição saudável. Somos ótimos teóricos, mas não somos pragmáticos. Somos PhD em teorização socrática do amor, mas desarmamos na primeira questão. Culpamos deus, culpamos nosso modelo econômico, culpamos a sociedade e esquecemos que a sociedade somos nós. Suplicamos: mais amor, por favor. Mas não temos nada a oferecer a não ser uma noite vazia, uma estação do ano, uma garrafa de vinho barata.

Se o outro não está mais para servir a bomba de endorfina, descartamos. Fazemos dos nossos parceiros traficantes do bem estar. Afinal, de que adianta um garçom com a bandeja vazia? Chamemos outro. E outro. E outro. Vamos fechar o bar, dar vexame e acabar caídos na calçada praguejando deus ou a sorte ou o infinito. É claro que estamos em outros tempos. É claro que quase ninguém leva a sério a promessa de “até que a morte os separe” e talvez seja mais saudável assim. As relações acabam, a vida é um rio de fluxo fluído embaixo de uma ponte antiga. A ponte fica e o rio segue.

O problema é quando achamos que a definição do amor ideal é daquele ser que está no mundo apenas para satisfazer nossos desejos e viver nossos sonhos. O problema é quando perdemos a noção do sagrado e compramos todas as fichas do profano. Assim, as juras dão lugar ao silêncio e ao sentimento não correspondido em uma via de mão única. Basta rasgar umas fotos que o outro deixa de existir. E repetimos os mesmos erros. E vamos todos nessa marcha fúnebre que é a dor do amor morrido. Eu sei que te fizeram juras eternas, moça. Eu sei que ela não prometeu nada, mas você acreditou que ela fosse ficar, moço. Mas é que nada foi feito para durar.

“Todos nós vamos morrer, que circo! Só isso deveria fazer com que amássemos uns aos outros, mas não faz.” Charles Bukowski



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