Os redemoinhos do transtorno depressivo recorrente

As cores, de repente, mudam de tom, ficam esmaecidas. O que era vivo e empolgante, subitamente parece uma gravura em nuances de sépia. O ar parece mais denso, como aquele mormaço num dia que não se decide se chove ou faz calor. No peito uma melancolia que perturba e aquela antiga sensação de aperto na garganta, como se ali houvesse um choro há anos reprimido e que agora precisa desaguar.

O transtorno depressivo recorrente caracteriza-se pela repetição dos episódios de depressão, alternados por períodos de normalidade, durante os quais parece ter havido a remissão dos sintomas. A pessoa que convive com esse transtorno sofre com a visita inesperada da sensação de perda de prazer pelas atividades, mesmo as mais apreciadas; sente cansaço e desânimo; o que antes poderia ser avaliado como pequenos problemas, geram irritação e impaciência. A vida parece ter mudado ao redor, tudo ficou mais opaco e hostil.

Ainda que sejam episódios leves, aqueles que vivem na pele o processo depressivo recorrente, sentem-se impotentes diante de suas incontroláveis oscilações de humor. Muitas vezes, aguentam a dor calados e torcem para que ninguém os surpreenda em crises de choro que chegam sem avisar. Outras vezes, fazem a ariscada tentativa de confessar que estão deprimidos outra vez; sentem-se culpados e sem valor, como se tivessem de pedir desculpas pelo transtorno – literalmente pelo transtorno.

Não é raro acontecer a primeira manifestação de transtorno depressivo recorrente na infância. Neste caso, o diagnóstico é ainda mais delicado, posto que a criança não consegue expressar com clareza o que sente ou explicar a razão de seus comportamentos. Sendo assim, é preciso olhar atento e amoroso; se a criança de repente se comporta de modo incompatível à sua natureza, manifesta alterações no ritmo de sono, perde o apetite ou parece não se saciar, chora por qualquer motivo ou perde o interesse por atividades que a encantam, é necessário buscar a ajuda de um profissional da área de Psicologia ou Psiquiatria.

O que diferencia o transtorno depressivo recorrente dos episódios únicos de depressão é, justamente a ocorrência em ciclos que podem durar dias, semanas ou até meses. A adolescência também pode ser o período da primeira manifestação. Ocorre que muitas vezes recorremos a rótulos equivocados para categorizar o comportamento na adolescência. É claro que não se pode chamar qualquer simples rebeldia ou recolhimento natural dessa fase da vida de depressão. No entanto, o isolamento exagerado, explosões emotivas despropositais, irritação intermitente, alterações significativas no apetite e no sono, pode indicar que algo definitivamente está errado. E também neste caso, como na infância, a avaliação Psicológica ou Psiquiátrica é fundamental.

Entretanto, como passamos quase a maior parte da vida na fase adulta, ao menos cronologicamente, é ainda mais comum que o transtorno depressivo recorrente se manifeste nessa fase. Estima-se que há entre nós, os brasileiros, 17 milhões de pessoas sofrendo de depressão. E o mais sério de tudo isso é que, inúmeras vezes essas pessoas não são diagnosticadas, tratadas e acompanhadas adequadamente.

Aqueles que lutam para compreender, administrar e sobreviver aos episódios recorrentes de depressão lidam com dois inimigos invisíveis e muito traiçoeiros. Um é a própria doença, que diferente de uma ocasional tristeza, traz enormes prejuízos funcionais que afetam a vida afetiva, cognitiva e social daquela pessoa. O outro é o preconceito. Infelizmente, ainda há quem pense que depressão é frescura ou “coisa da cabeça”.

A verdade é que a depressão é muito mais democrática do que se pode supor, infelizmente. Ela pode se instalar em indivíduos extremamente bem-sucedidos e, também naqueles que ainda não se encontraram ou perderam tudo; pode ocorrer com pessoas cercadas de gente querida, inseridas em famílias estáveis e relacionamentos amorosos felizes; pode, inclusive, acontecer para aqueles que acham que isso é coisa de gente desocupada.

Não há vacina para prevenir a depressão. Mas há um “remédio” poderosíssimo, constituído por elementos essenciais como diagnóstico; terapia; medicação (se for o caso); e o mais simples deles, porém, o mais raro que é a compaixão humana.



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"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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