A Delicadeza do Amor

Por Daniela Vaccari

Você já se imaginou viver uma história de amor de filme, daquelas que a gente fica ansioso pra saber que desfecho ela terá? Acredito que todo mundo já ficou fantasiando um romance com uma pessoa que provavelmente não existe na vida real. Ou que até existe, mas que no seu sonho ela aja de acordo com aquela imagem que você construiu…

Colocando nessas palavras, até parece que eu estou falando de um conto de fadas em que o príncipe chega num cavalo branco para resgatar a princesa que está presa em uma torre, vítima de um feitiço feito por uma bruxa malvada. Bom, não é bem por aí. É muito comum ouvirmos dizer que a vida imita a arte e que a arte imita a vida. Pois bem, eu vim falar sobre a segunda opção, que é quando o suposto conto de fadas não passa de um reflexo daquilo que a gente vive todos os dias.

Comecei a pensar sobre esse assunto quando eu assisti o filme “A Delicadeza do Amor” (2011). Ele está longe de ser um conto de fadas, visto que o grande amor da protagonista Nathalie, o cara com quem ela está prestes a se casar depois de um perfeito relacionamento de três anos, morre num acidente logo no início do filme.

O luto é algo inevitável e, durante a nossa vida, enfrentamos diversas mortes, sendo elas concretas ou metafóricas. Mas há uma grande diferença entre esses dois opostos. As mortes concretas, vulgo “mortes morridas”, são aquelas mortes que machucam no início mas que, aos poucos, vão aliviando o nosso peito e a gente vai aprendendo a seguir adiante sem a pessoa. Depois, só ficam as lembranças e a saudade. Mas as mortes metafóricas são aquelas em que a pessoa escolhe ir embora de nossas vidas por livre e espontânea vontade. Algumas vezes, a morte metafórica deixa marcas que não se apagam ou aliviam com o tempo. Ela causa dores que podem ficar latentes por muito tempo e encontrar a pessoa por aí pode ser sempre um dedinho abrindo a mesma ferida inúmeras vezes.

Mas, como muitos dizem, a vida é uma verdadeira roda da fortuna: às vezes se está em cima e às vezes se está embaixo. Alguns acontecimentos são simplesmente algo que a gente não pode prever e, assim como acontece na vida real, a protagonista da história do filme encontra um novo amor. De início, talvez não se possa dizer que era amor, visto que essa nova história se deu início com Nathalie (num surto imprevisível) tascando um beijão em Markus, um colega de trabalho, deixando o pobre rapaz sem entender coisa alguma. Imagina, uma moça cujo luto pela perda do noivo vinha durando três anos, tomou uma decisão do nada e sem pensar nas consequências. É como se algo dentro dela precisasse desabrochar antes que morresse. Mas algo aconteceu dentro de Markus. E parecia complicado demais para Nathalie aceitar que algo havia mudado nela também.

E, como todo início de uma jornada incerta pelos caminhos do amor, os dois começaram aos poucos a se ver mais. E mais, e mais. Os amigos de Nathalie (e o seu chefe metido a galã também), não entendiam o motivo pelo qual ela se envolveria justamente com um cara tão desajeitado (para não dizer esquisito) como Markus. E foi nesse momento em que eu me identifiquei ainda mais com o filme. Das pessoas que conheço e com as quais convivo, nenhuma delas entende o porquê de até hoje eu só ter me envolvido com pessoas esquisitas. Talvez não haja um motivo. Ou talvez essa história de que os opostos se atraem seja uma grande bobagem, já que é bem visível que a grande esquisita aqui sou eu.

Ficamos então com o ditado de que há sempre um pé torto pra um chinelo velho? Só que eu não gosto dessa frase. Por que sermos como somos faz de nós chinelos velhos ou pés tortos? Na verdade, a capacidade de amarmos e sermos amados pelo que somos e apesar do que somos é uma tarefa que exige altas doses de compreensão. É entender que não podemos mudar a outra pessoa e ainda sim amá-la a todos os momentos. É respeitar que, antes mesmo de qualquer tipo de envolvimento, ela era outro indivíduo e sempre o será. Ninguém perde a própria essência só por estar com outra pessoa de personalidade um pouco mais “forte”. As pessoas acabam se adequando umas às outras pela convivência e adquirindo formas de pensar parecidas baseadas no compartilhamento de argumentos e conversas diárias.

Ter a capacidade de nos aproximarmos de uma pessoa completamente alheia e transformarmos ela em parte de nossa própria família é uma habilidade que vamos aprimorando ao longo de nossa existência. Quem nunca imaginou que o primeiro amor seria aquele amor pra vida inteira? Salvo o número minúsculo de casos em que isso realmente acontece, devemos sempre ter em mente que a nossa capacidade de amar está em uma constante construção e que, com o passar do tempo, vamos acumulando uma “lista de desejos” com as características ideais para um amor saudável. Não digo características físicas, mas os valores, o respeito e até mesmo a capacidade de lembrar de te trazer uma barrinha do seu chocolate favorito depois de um dia difícil, mesmo que o dia dessa pessoa tenha sido mil vezes pior do que o seu. Porque, além de tudo, amar também é saber se colocar no lugar do outro. Mas, ao mesmo tempo, é não exigir que a pessoa lembre sempre do seu chocolate.

A grande armadilha disso tudo é quando nos tornamos exigentes demais com nossos próprios sentimentos. Essa história de ficarmos eternamente escolhendo a pessoa perfeita é, literalmente, uma forma de auto-sabotagem. É uma forma de nos isolarmos e tentarmos ficar sozinhos o máximo de tempo que conseguimos. Justamente porque sabemos que não existe pessoa perfeita, é que pregamos estas peças em nós mesmos. E sem nem sequer sabermos o motivo! É que, quando estamos sozinhos, temos a liberdade de sermos quem somos. De fazermos tudo o que temos vontade, na hora, frequência e na intensidade que desejamos. Mas, ao invés de ficarmos evitando as pessoas, devemos escolher aquela que nos proporciona esta liberdade. Parece tão contraditório, né? Compromisso vs. Liberdade. Pois é aí que você se engana! Reformulando aquela frase que diz “deixe aquilo que você ama livre porque, se o amor for verdadeiro, ele volta pra você”, penso que amar não é somente deixar livre, e sim sentir-se livre. Sentir-se verdadeiro consigo e com tudo e todos à sua volta.

Sem contar que também temos a tendência de nos envolvermos com pessoas erradas. Parece que é uma intensa disputa entre o coração e a mente e, às vezes, os dois se juntam pra ferrar com a nossa vida. Nos envolvermos com pessoas “erradas” pode parecer uma grande perda de tempo, um desgaste emocional desnecessário. Mas uma coisa é certa: nós sempre aprendemos alguma coisa com as experiências que vivemos. A chave da questão é sempre saber a hora certa de cair fora, antes que o arrependimento seja superior a qualquer outro sentimento. Antes que não haja sequer uma morte metafórica, mas sim uma presença perene e que assombra. Nem todos os relacionamentos são positivos em nossas vidas, sejam eles amorosos, de amizade ou de trabalho. Mas que eles não sirvam para a sua desistência e nem para desacreditar no amor de verdade. Lembre sempre que arbustos espinhosos nos dão amoras e framboesas. Às vezes andamos por caminhos tortuosos e as únicas lembranças que carregamos conosco são aquelas que não gostaríamos de ter mantido. Em meio a tanto caos e desconexões entre coração e mente, tente achar o seu equilíbrio e foque mais nos frutos do que nos espinhos. Você irá adquirir mais habilidade na colheita com o tempo.

É claro que eu não vou contar o final do filme aqui no texto. Mas eu realmente recomendo que você assista e tire suas próprias conclusões. Devo adiantar que muitas dúvidas que este texto maluco deixou na sua cabeça serão esclarecidas. Sei que conselho é uma coisa que não se distribui por aí porque cada um tem suas próprias experiências, mas se eu pudesse te dizer apenas uma coisa, seria: de cada relacionamento que você tiver, escolha tudo aquilo que cada uma das pessoas tiver de melhor e coloque esses itens em uma lista mental. Tenho certeza de que, mais cedo ou mais tarde, você encontrará uma pessoa que contenha cada um dos itens da lista. A vida se encarregará de te levar até essa pessoa ou de trazê-la até você. Ainda assim, isso não significa que a pessoa será perfeita. Pelo menos, não para os outros. Mas pra você sim. Boa sorte!

via Histeria Coletiva



LIVRO NOVO



Blog oficial da escritora Fabíola Simões que, em 2015, publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos Afetos".

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