Mulheres que comem torresmo – por Lusa Silvestre

O charme da mulher que gosta de comida de ogro

Nada contra mulheres incontestavelmente bonitas, mas as charmosas têm mais segredos. A beleza é um troço imediato, de fácil entendimento – você bate o olho e pronto: já reconheceu o lindo. Já as charmosas precisam ser decifradas; são mais complexas. O homem tem que descobrir qual o pó de pirlimpimpim que a maldita tem (apesar do nariz torto). Não é a obviedade dos traços clássicos. Não é o olho azul, a boca carnuda. Qual o encanto?

São anos até compreender todo aquele borogodó. Isso caso ela permita. Porque, se a beleza não precisa de autorização para ser admirada (basta olhar), o charme exige contato social, conversa mole e Gin Tônica.

Há outras diferenças. A beleza tende a erodir com o tempo, enquanto o charme vai vencendo as rugas, ano após ano. Dizem que Julia Roberts está mais bonita aos 47 do que aos 23, quando fez Pretty Woman. Recentemente, Andie McDowell e Julianne Moore, as duas com mais de 50, causaram síncopes e frenesis em um evento da L’Oréal. É a elegância do cabelo branco – que já está ditando colorações. Cada vez mais mulheres estão deixando a grama crescer grisalha. Aprovo.

O cabelo, realmente, é um feitiço invencível. Mas existem outros. As atitudes, a independência, a originalidade. O jeito que ela pratica o ciúme. A cara de brava quando alguém fura fila. Os palavrões na intensidade correta. O comportamento quando de pilequinho. A pseudo-timidez. E a hora da fome. Ah, que delícia, a hora da fome. Hábitos alimentares dizem muito sobre uma dama.

Mulheres que comem fritura são especiais. As gônadas masculinas entram em desvario quando uma moça, com toda feminilidade, manda descer uma porção de torresmo. Ou uma linguiça calabresa, uma coxinha-creme, uma pizza com borda recheada. Os homens, esses ignorantes, acham que mulher só come salada. Então, quando ela pede comida de ogro, a gente se sente valorizado –  a companhia masculina ali presente é tão especial que merece uma chutada de balde.

Torresmo humaniza: são os dois com a mesma fraqueza pela baixa gastronomia. Mal sabe o rapaz que, no dia seguinte, a moça vai tentar recuperar o território perdido através de regimes urgentes e desumanos. Se soubesse, ficaria mais apaixonado ainda – imaginando que tal esforço seria para continuar bonita para ele. Não é por você, viu? Coloque-se no seu lugar: o sacrifício é pelo torresmo mesmo. Para poder repetir a loucura outras vezes.

Para terminar, conto de Amanda. Que saudades. Amanda era quase bonita. Super inteligente, nariguda (adoro), tinha sardas e seios fantásticos – que descansava sobre a mesa enquanto trabalhava no computador. Charmosa até o último centímetro de formosura. Um dia, tomando café na copinha do trabalho, soube da sua rotina alimentar. Foi um assombro: ela tomava leite integral. Leite integral! Quem, na idade adulta, consome calorias assim? E o colesterol? E a lactose? Mulher que toma leite integral está pouco se importando. Isso é atitude. É pra propor até comunhão universal de bens.

 

Fonte: jornal “O Estado de São Paulo”



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