Tire os sapatos antes de entrar – Fabíola Simões
Barefoot boy and girl (4-10 years) reading in canoe by lake, low section

Desde menina aprendi hábitos como “bata antes de abrir” e “ore antes das refeições”. Cumpri esses rituais com exatidão, e sempre respeitei a importância do gesto.

Mais amadurecida, fui cuidando de minhas conquistas até adquirir o primeiro tapete para a sala. Era macio, felpudo, clarinho e aconchegante. Foi tempo então de aprender mais uma regrinha pessoal: “tire os sapatos antes de entrar” (no caso, pisar no tapete). Eu não sugeria o manual a quem viesse me visitar , mas seguia a recomendação comigo mesma, sentindo nos pés a textura daquele tapete reconfortante.

O tempo passou, e me lembrei do tapete algumas vezes, quando tive o coração pisado e doeu.

Doeu como solas de borracha pesadas afundando no solo frágil de minhas emoções. Doeu como o “toc toc” de tamancos enormes batucando cada centímetro da minha alma. Doeu como saltos agulha miseravelmente agudos capazes de afundarem o terreno arenoso da minha existência.

Eu desejava pantufas de algodão e meias alvejadas de carinho, e no entanto sentia meu peito vibrar no compasso brutal que eu permitia ser direcionado a mim.

Aos poucos fui descobrindo que se a gente quer que a pessoa tire os sapatos antes de entrar, a gente tem que falar. A gente tem que vencer as barreiras de constrangimento e se posicionar.

Ninguém, a não ser a gente mesmo, sabe a medida do que lhe faz bem ou faz mal. Só você sabe o que é capaz de lhe causar medo, alegria, dor, contentamento, frustração, esperança. E só você pode definir os limites da linha que divide o respeito do desrespeito por si mesmo.

Só você sabe do que é feito seu terreno e o quanto ele pode suportar.

A gente tem que aprender a se proteger. Esse é um aprendizado que leva tempo, mas nos torna muito mais fortes também.

Se proteger é aprender a pedir para tirarem os sapatos antes de entrar, e não permitir ser pisoteado por calçados pesados, pontiagudos ou muito encardidos.

É ser gentil consigo mesmo, entendendo que nossa alma é como um grande tapete branco felpudo, que merece ser acariciada por pés macios e pantufas carregadas de leveza.

Tem gente que se acostuma a ser pisado com brutalidade. E por almejarem o que é familiar, procuram quem continue lhe pisando sem cuidado nem amor. Recusam o conforto da novidade, para se cercarem da dor conhecida.

Que o amor chegue de mansinho, e peça licença antes de se aproximar.

Que traga alento, e que a gente aprenda a agradecer aos céus quando se apaixonar.

Que seja delicado, e nos ensine a importância de se respeitar.

Que seja bem vindo, mas que tire os sapatos antes de entrar…

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Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

6 COMENTÁRIOS

  1. Me identifico muito com seus textos, por serem completos demais, onde minhas idéias se assimilam muito com as suas e por amar muito e também escrever, onde através disso passei a me conhecer muito e, isso me fez e me faz muito satisfeita na vida e com os meus.

    Desejo sucesso a você sempre!
    😀

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