A Alegria e a Tristeza em DivertidaMente

Na época em que eu fazia terapia, um dos grandes trunfos de minha terapeuta foi me ensinar a nomear os sentimentos. Ao contrário do que havia aprendido em minha criação católica, descobri que era possível _ e saudável _ sentir raiva, tristeza e medo. Esses sentimentos eram tão importantes e legítimos quanto à alegria, doçura e encantamento perante a vida.

Sábado percebi, ao lado do marido e do menino de nove anos que aos poucos deixa suas ilhas da infância para trás, que minha terapeuta tinha razão.

No cinema, assistindo à mais nova animação da Disney Pixar _ Divertida Mente _ recordamos o quanto crescer pode ser doloroso, ainda que seja uma jornada com final feliz.

A exemplo de Toy Story e Procurando Nemo, a história da menina Riley, de onze anos, que vê sua vida virar do avesso após a mudança de cidade, é uma história que encanta crianças_ por dar cor e forma aos sentimentos _ e adultos _ por tratar o tema de forma leve, sem lhe tirar a profundidade.

Na animação, dentro do cérebro de Riley convivem várias emoções diferentes: Alegria, Nojinho, Medo, Raiva e Tristeza. A líder do grupo é a Alegria, que se esforça bastante para que a vida de Riley seja sempre feliz. Porém, nem tudo está sob seu controle, e quando ela é expulsa da sala de controle juntamente com a Tristeza, a vida da menina muda radicalmente, enquanto percebemos o papel de cada sentimento no controle de nossas vidas.

Um dos aspectos que mais me chamaram a atenção é a forma como o longa evita tornar a Tristeza uma vilã. Ao contrário, por mais que a Alegria se esforce para “levantar” a Tristeza, no final ela compreende sua importância, ou sua necessidade de existir junto às outras emoções.
E descobrimos que somos todos normais, até mesmo quando não conseguimos sorrir.

A alegria só existe por causa da tristeza. Os quintais abrigam histórias embaixo de goiabeiras que eventualmente viram seus frutos serem corroídos por bichinhos invasores a cada temporada; e os jardins são mais floridos por causa da chuva que caiu, varreu, partiu, floresceu. A menina amadurece quando não lhe cabem mais as saias da infância, e o menino desfaz seus barcos de papel quando descobre que a meninice ficou pequena demais para o tamanho de seus sonhos.

Sabemos da alegria porque um dia demos a mão à tristeza. Entendemos de satisfação depois de ter experimentado a frustração. Aprendemos a dar valor às coisas quando percebemos o buraco que a falta faz. Adquirimos coragem de abrir as janelas depois que algumas portas são fechadas; somos impelidos a reencontrar sentido na existência quando tudo em que acreditávamos muda de repente. Entramos em contato com o sagrado que há em nós quando percebemos que a vida carece de respostas e definições. Não saberíamos da luz se não tivéssemos experimentado a escuridão. Percebemos o amor após superar a dor, e valorizamos o encontro depois de tanto desencontro.

Não sou uma pessoa triste, mas a tristeza tem espaço dentro de mim. Não a acolho gratuitamente_ como faço com a alegria_ mas respeito sua necessidade de emergir de tempos em tempos. Faz parte do que sou e do meu equilíbrio, embora não possa me definir. Sinto-a como um tempo de reflexão, uma estação que me permite desaguar em prantos secos ou úmidos, brandos ou muito intensos, mornos ou bastante gelados.

DivertidaMente termina com o trunfo da Tristeza, que acaba mostrando à Alegria que muito do que aconteceu de bom na vida de Riley foi porque ela se permitiu vivenciar a dor.

E descobrimos que parte de nossa sensibilidade e delicadeza vem da capacidade de nos emocionar, ou de nos sentirmos tocados bem no fundo da alma. Somente com a alegria isso seria impossível.
Há um quê de nostalgia e dor em toda poesia. E embora guardadinha, é a tristeza que nos embeleza também, apaziguando nossa euforia, moldando nosso espírito, acrescentando uma ponta de doçura e esperança em cada lembrança.

Talvez ser feliz seja isso. Perceber que nem só de alegria é feita nossa alma. Permitir estar um pouco triste mesmo sendo muito feliz. Almejar serenidade mesmo quando a música se eleva e todas as luzes se acendem. Conciliar entusiasmo com fala mansa e passos suaves, na ponta dos pés.

Saber ser pingo de chuva quando o sol resseca a pele, e conseguir ser raio de sol quando a vida chuvisca na vidraça…

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Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

17 COMENTÁRIOS

  1. "Talvez ser feliz seja isso. Perceber que nem só de alegria é feita nossa alma. Permitir estar um pouco triste mesmo sendo muito feliz. Almejar serenidade mesmo quando a música se eleva e todas as luzes se acendem. Conciliar entusiasmo com fala mansa e passos suaves, na ponta dos pés." Mais um texto primoroso em sincronia perfeita com meus tempos de trevas. E mesmo assim sou feliz. Gratidão!

  2. Olá Fabíola! Que lindo texto, esperei que vc postasse sobre esse filme. Lindo e com uma mensagem profunda, escancarada aos olhos de bons observadores. Muitos de nós, com a correria e agitação da vida moderna, tem se esquecido de observar o fluxo da vida de uma forma poética, em sintonia com os ritmos da natureza. Queremos sempre viver no Verão, na euforia, na alegria das emoções calorosas… Não podemos nos esquecer que o inverno também é necessário, para nos preparar para o por vir, nos colocar em sintonia conosco mesmo, tocando nossas necessidades e sentimentos profundos. Enfim, crescemos também na melancolia dos dias frios e chuvosos, nem sempre na euforia dos dias quentes e ensolarados. Amei mesmo a sua visão sobre o processo, vem ratificar o que você já escreve há tempos… Um grande abraço, Edson.

  3. Querido Edson: que bom encontrar pessoas como você nesse universo virtual! Obrigada por me acompanhar e pela leitura. Obrigada, acima de tudo, pelas lindas e profundas reflexões que faz sobre minha escrita. Você enxerga além do que vejo, e me ajuda a ir mais longe! Como eu escrevi no facebook, no momento em que posto o texto, ele pertence aos leitores. E sua leitura só me encanta… Obrigada!!! Grande abraço!

  4. Fabíola Simões, que texto incrivelmente bem inscrito. Parabéns! As ponderações que fazes ao longo do texto são perfeitas e me identifiquei muito com a ideia de tristeza e alegria trazida por você aqui. Brinco sempre com as pessoas que são próximas minhas que cultuo uma necessária tristeza. Tenho dias tristes, embora não seja depressiva (me acho feliz, inclusive), e não escondo isso de ninguém. Sempre que estou triste, escuto as músicas Santa Chuva e Muito Pouco, ambas na voz de Maria Rita, e contemplo a minha tristeza com firmeza e relevante zelo.
    De novo, parabéns pelo belíssimo texto!!!

  5. Acabei de chegar por aqui, e estou realmente encantada, muito obrigada pela sua escrita, que consegue acalmar e nos fazer respirar fundo em tempos difíceis!!! Parabéns.

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